LIRA MARIANENSE

Prof. Antônio de Oliveira

antonioliveira2011@live.com

Triste... Tristemente triste. Carlos Drummond de Andrade previu, no poema Lira Itabirana, publicado em 1984, um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil, ocorrido poucas décadas depois, em 2015. Parece, de fato, uma previsão, uma predição, uma profecia, um alerta a que não se deu a mínima, pois coisa de poeta.

I “O Rio? / É doce. A Vale? Amarga. / Ai, antes fosse mais leve a carga.

II Entre estatais / E multinacionais, quantos ais!

III A dívida interna. / A dívida externa / A dívida eterna.

IV Quantas toneladas exportamos / De ferro? Quantas lágrimas disfarçamos / Sem berro?”

Hoje a lira é marianense, o rio é amargo, como é amarga a tragédia. A carga, por demais pesada. Aos turbilhões, a lama corre em direção ao oceano, em lenta procissão, mas não tão lenta assim. Irreversivelmente. Quantos ais! As dívidas aí estão, também pesadamente inflacionadas. Um misto de irresponsabilidade, incompetência, interesses disfarçados. As lágrimas é que não mais se disfarçam. Aos gritos de ais.

Confidência do Itabirano. Para Drummond, “Itabira é apenas uma fotografia na parede”. Mas como já doía! Confidência do marianense. Em Bento, que nem é mais bento, sequer um retrato nas paredes, pois paredes não há mais. É que não restou pedra sobre pedra, tijolo sobre tijolo, nem parede de pé. Um ambiente de desolação, um meio ambiente agredido, uma fauna praticamente extinta. Espetáculo dantesco, cenário de dor.

E agora, José? E agora, Carlos Drummond? E agora...Tudo acabou. “Com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta.” E agora, brava gente, brasileira? Ante os rombos bilionários nos cofres públicos, o rompimento da Barragem do Fundão é imagem metafórica de rejeitos que envergonham nosso país. Aliados do governo, aliados de Cunha, aliados de Renan... Haverá aliados do povo?

Para Heráclito, um homem nunca se banha duas vezes no mesmo rio, pois a água se renova. Era uma vez um rio, doce, que... tinha água.

Antônio Oliveira MG
Enviado por Antônio Oliveira MG em 14/12/2015
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