O saco da esperança

Todo dia acordo bem cedinho de manhã, abro a janela do meu quarto que já se encontra iluminado pelos raios de sol que insistem em escapar pelos escapamentos laterais das janelas do meu quarto. Em seguida, tomo uma ducha bem quentinha, já pensando: 'e será mais um dia nessa vidinha, será que irei me sair bem na prova? Não posso vacilar, preciso de 5 pontos se não quiser ficar em recuperação em Física. Será que presenciarei alguma cena bizarra enquanto passeio nas ruas dessa perigosa cidade chamada São Paulo?'

Quando já estou acabando de dar o último nó do meu all star(sim, não vivo sem ele, tenho desde os 9 anos, minha mãe não gostou nada de eu o ter comprado, diz que é coisa de brega, mas ele representa muito pra mim sabe?), já ouço o grito de minha mãe lá embaixo:

-Vamos Isaac, o café já está pronto!

Desço correndo as escadas que levam ao primeiro andar de minha casa. Me sento na cadeira da mesa de refeições desejando um bom dia para minha mãe e recebo um beijo dela em minha testa. Depois de comer apressado já anuncio à minha mãe que estou saindo, pego minha bolsa e coloco o saquinho do lanche nela, colocando-a em seguida em minhas costas. 15 pras 7, mas tudo bem, "ainda dá tempo de antes passar lá!", penso comigo mesmo. Pego meu skate e subo nele, andando apressado nele, fazendo algumas manobras que já sabia de cor e saltiado, afinal passo ali todos os dias, naquela mesma hora e com o mesmo destino.

Já avisto um lugarzinho com o nome de "Padaria São José Vicente", atravesso a rua e chegando ao local boto meu já desagastado skate(já implorei para o meu pai comprar um novo, mas ele não gostava ao menos de eu andar naquela "bugiganga rolante" assim como ele o chamava). Entrando ali, fico encostado na parede esperando a fila esvaziar, pois esta estava muito grande, era sempre assim de manhã lotado. Uma velhinha estava sendo atentida, tinha roupas bem precárias: rasgadas e sujas, marcas no rosto de sujeira de quem não se banha há uma semana mais ou menos, com um garotinho de mesma situação. Pediu uns 15 pães e assim foi atendida. Então tirou de uma bolsinha que mais parecia um trapo sujo,bem usado, rasgado e bem malcuidado, tal qual a dona. Vendo que as moedinhas não eram suficientes, retirou uns 6 pães do pacotinho ao qual a moça entregou. A face da velhinha na mesma hora pareceu murchar por completo, seus lábios tremiam como quem ia chorar,assim como suas pernas que eram tão finas como um graveto, seu rosto estava pálido e o do menino meio que amarelado: sinal da fome. Ela fez um sinal negativo com a cabeça para o garotinho que ficou tão triste quanto ela. Cara, nesse momento pensei em quanto aquela velhinha deve ter suado para conseguir aquele mínimo dinheiro, seu rosto só não estava mais suado pois era bem cedinho mesmo, mas ainda podia se perceber algumas gotas de suor rolando em sua rugosa face, devia já ter ficado muito tempo debaixo do sol a pino(e Deus aonde pararemos com tanto calor nesse mundo? Tudo fruto do maldito aquecimento global, provocado pela praga proliferadora, como costumo me referir ao ser humano. Mas deixe-me que em outro texto explicarei mais essa minha tese). Senti ainda um apertinho no coração só de pensar nisso, e essa não era a única pessoa que passava por essa situação: milhares de pessoas no mundo estavam envolvidos nessa realidade e é isso o que dói mais em saber ainda.

Quando a velhinha já estava saindo vi a moça colocar no saquinho dela uns 4 pãezinhos de volta, sorrindo para as outras pessoas que estavam atrás dela na fila. Mas não bastava apenas sorrir e ignorar aquela situação, eu precisava agir se quisesse ajudar desde cedo a melhorar essa situação. Decidi então ir até a velhinha que já estava a um passo de sair da padaria e chamei ela:

-Senhora! Senhora! Você aceitaria um favor que quero fazer à senhora?

-Ah claro claro sim, meeu jo-o... - ela pigarreia antes mesmo de terminar sua fala, parecia que sofria de algum tipo de turbeculose - vem. O que seria?

-Eu gostaria de pagar para a senhora um pacote com 10 pães, é tudo que eu posso oferecer, pois tenho também que comprar para levar a minha mãe que só come isso no café da manhã e ela não me deu muito dinheiro. Se tivesse mais até pagaria mais para a senhora.

-Ai meu filho - e nesse momento vi meio que uma lágrima sair de seus anêmicos olhos, era sim uma lágrima de emoção - que bondade de sua parte, ninguém nunca me ofereceu nada desse tipo e olha que frequento bastante essa padaria. Tão novo e tão bondoso! Ah se os jovens de hoje em dia fossem como você.

Levei ela até o balcão e fiz como o prometido. Comprei os 10 pães e dei para ela que me agradeceu umas 10 vezes e o meninho sorriu pegando logo o saquinho e o abrindo e tirando um pão e o comendo como se nunca havia comido antes na vida. Ela até me ofereceu algumas moedas que resultavam em 50 centavos, mas não aceitei.

-Não minha senhora você precisa bem mais do que eu. Boa sorte em seu serviço!

-Ah! Que Deus lhe abençoe e sei que ele vai. Você é um verdadeiro anjo.

Depois daquilo, ouvi muitos calorosos aplausos vindo de todos que estavam na fila e até mesmo dos atendentes da padaria. Não sabia que ninguém iria me fazer aquela pequena homenagem. Asseguro a vocês que nesse dia fiquei com a consciência bem mais leve e me sentindo como um verdadeiro herói que acabou de salvar a cidade de um monstro terrível. Saí de lá com um sorriso muito grande no rosto e mesmo não podendo encher meus peitos de ar puro (o motivo acho que todos sabem) me senti com um peso meio que tirado das costas.

Chegando em casa:

-Filho, você demorou. Por que demorou tanto?

-Ah mãe, é uma longa e boa história...