Marido? Não se empresta

Adoro a vida de cidadezinhas. Cresci com Boa Vista e sinto saudade da paz, do bucolismo e da amizade que imperava nesta “cidade pequena, porém decente” (conforme rotulava meu amigo Elesbão).

“Vizinha, me empresta uma xícara de manteiga?” “Dona Maria, a mamãe mandou pedir emprestada a sua panela de pressão...” “Vai lá na casa da Rosa e pede um pouco de açúcar emprestado.” “Dona Iraci, a senhora me empresta o seu filho pra tirar água do poço?” “Seu Alfredo, lá em casa tá sem água... Posso trazer os meninos pra se assear no seu banheiro?” Pedidos como esses eram comuns entre os bons vizinhos da minha Boa Vista.

Há tempos, quando eu levantava um muro para delimitar os nossos terrenos, Marquinho, morador do lote à esquerda, sugeriu: “Deixa uma janelinha bem aqui no meio pra gente pedir coisa emprestada”.

Em Boa Vista, todos se conheciam, se cumprimentavam e paravam nas portas das casas ou no meio da rua para alguns dedos de prosa. Comparo nossa cidade de antanho a Penny Lane, lugarejo decantado por Lennon & McCartney.

Mariazinha enviuvou aos 33 anos e resolveu continuar morando na casa que testemunhou os seus momentos de amor. Moreninha bonita, jeitosa e fagueira, depois do negro e cerrado luto, decidiu mexer-se e se candidatar-se às atenções de um eventual pretendente.

Jurandir deixava-se encantar pela graciosidade da viúva e estava sempre à sua disposição para serviços domésticos que precisassem de força ou habilidades masculinas: trocar uma lâmpada, instalar um bujão de gás, ajeitar um ferrolho, desentupir uma pia, estancar o vazamento de uma torneira...

Na verdade, o safado sonhava com outros desentupimentos e vazamentos

Ambrosina, mulher de Jurandir, obesa, feia e desconfiada, não via aquele empenho do marido com bons olhos. Conhecendo a peça que tinha em casa, estava sempre atenta aos movimentos entre o seu companheiro e aquele pecado que morava na casa ao lado.

Numa tarde de sábado, Mariazinha largou a faxina, e trajando shortinho insinuante conjuntinho de short e blusa de malha de algodão, pediu:

- Ambrosina, tu podes me emprestar o Jurandir pra ajudar a mudar a posição dos móveis do meu quarto?

Com o marido dormindo a sesta, Ambrosina conferiu ciumenta e desdenhosamente aquele pedaço-de-mau-caminho e respondeu:

- Não. Não dá, Maria... O Jurandir é um homem imprestável.

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Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 02/07/2007
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