Inverno sem ela

Era dia 28 de setembro de 1973, não havia estrelas no céu, apenas algumas nuvens que impediam a luz da lua, fazia frio naquela noite, muito frio, já era de madrugada, as ruas já estavam vazias, os carros já estavam guardados e outros nos estacionamentos cobertos por neve, as moças já estavam nas janelas, as crianças dormindo, a madrugada fria castigava. O telefone publico tocava, mas ninguém atendia, não havia ninguém por perto, a cidade dormia em mais uma noite de inverno rigoroso.

Aproximadamente 00h41min, eu estava sem sono, sem fome, sem ninguém em casa, minha casa era pequena como a minha pequena garota, era lilás, havia muitas cravinas na janela, mas já estavam murchas por causa do excesso de frio que fazia lá fora, tinha uma varanda cheia de tulipas, onde eu sempre no final da tarde de outono ainda admirava a beleza das moças, o pôr-do-sol de cada dia e a lua de cada noite, seja ela quente ou fria. Aquela casa nunca esteva tão vazia. Quando a madrugada caiu estava bebendo um vinho na sala, observando pela janela de vidro o frio e a neve, apenas aquecido por uma pequena lareira, era um vinho seco, nem suave e nem amargo, com a taça mais bonita do armário azul, tocava os melhores blues, assim eu já estava na quarta ou quinta garrafa, já era quinta-feira, um tom suave, o vinho era bom, me adormecia gradativamente enquanto eu tocava piano, as notas daquela velha música me faziam lembrar que estava sozinho, que faltava alguém para me acompanhar, para cantar, que ninguém bebe tanto sem motivos, é sempre para esquecer ou lembrar-se de algo ou alguém, eu já estava com meus sentimentos embaralhados.

Fui lá fora, me sentei naquela varanda, acendi um cigarro, fiquei lá por um bom tempo, um bom tempo para pensar no que estava acontecendo, um bom tempo para explodir. O vento forte e frio me fazia lembrar algo, alguém que foi embora, sem motivo ou razão, por que a saudade era pior que os graus aqui fora? E tudo isso acabava comigo? Será que era um amigo, um amor ou uma dor? Com certeza era ela, Até que minhas lágrimas congelavam, minha boca tremia, o meu coração doía, sentia uma angústia, um sentimento mais forte que o vento, a calçada fria me consolava. Juro que procurei aquele casaco de bolinhas lilás que estava atrás da porta, juro que procurei por você em tudo, na varanda, nas ruas, nas músicas, nos vinhos que bebia só para eu lembrar do seu rosto lindo e esquecer o vazio que você deixou em mim, confesso que as flores precisavam do seu cuidado novamente, a casa precisavam da sua presença, meus olhos precisavam de sua beleza e minha vida precisava você.

Afinal, por que teve final? Será que todo aquele pesadelo era real? Eu afirmo que já estava lucido de tanto beber, fraco de tanto chorar, mas nada importava, eu iria esperar por você, ainda me arrependo de ter deixado você ir naquele taxi, naquela quinta-feira.

Alomorfia
Enviado por Alomorfia em 23/12/2015
Reeditado em 25/12/2015
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