O mel de Vitor

Minha saúde é excelente. Não sei se isso se deve aos meus hábitos alimentares, ao meu estilo de vida, à genética ou a pura sorte, o fato é que raramente adoeço. Por isso, quando comecei a sentir aquele mal estar, dores pelo corpo e uma tosse insistente, que se refletia em mais dores, no peito e na cabeça, resolvi ir ao médico.

“Prazer, meu nome é Vitor”, ele disse, apertando minha mão. E era Vitor mesmo, não Doutor Vitor, porque era não mais que um rapaz quase imberbe, um lindo jovem a quem nem mesmo os óculos conseguiam acrescentar alguns anos. E o aparelho nos dentes não ajudava muito, por certo.

Mas o estetoscópio pendurado ao pescoço e o jaleco branco atestavam tratar-se realmente de um médico, bem como o crachá dourado, com o nome e, logo abaixo, o título: clínico geral. O que me estarreceu foi o fato de que Vitor, com sua juventude, poderia, contando talvez com uma leve precocidade de minha parte, ser meu filho!

Nunca me havia acontecido isso antes. Médicos, para mim, sempre foram doutores grisalhos portando anos e anos de experiência. Mas não Vitor, meu quase filho. Porém, à medida em que passei a relatar-lhe meus sintomas e via seus olhinhos miúdos por trás dos óculos fitarem os meus como se checando a veracidade das informações, a idade passou a não mais existir.

Após o exame minucioso, sentamo-nos novamente frente a frente, e Vitor começou a falar. “Trata-se de uma IVAS, ou infecção das vias aéreas superiores, que é na verdade uma gripe”, ele disse, num didatismo típico de quem, ao mesmo tempo que está com as informações teóricas fresquinhas na cabeça, não tem a pretensão de escondê-las dos leigos, alimentando a ditadura do conhecimento. Vitor explicou tudo: como a gripe se instalava, por que a tosse era importante e por que não se devia tentar suprimi-la com xaropes; o que acontecia se as secreções, ao invés de serem expelidas, ficassem presas no peito ou nas faces; e já que não era esse o meu caso, e como era eu portadora de uma simples IVAS sem maiores complicações, não deveria tentar fazer cessar aquela tosse incômoda, mas sim apenas aliviar os sintomas - no caso, as dores que ela me causava.

Notei uma certa hesitação antes que ele abrisse o receituário e escrevesse, “dipirona, 40gt 3x ao dia, se dor ou febre >37,8ºC”. Era como se ele se sentisse na obrigação de prescrever qualquer medicação formal para saciar minha pretensa ansiedade. Então, virou a página e me informou que, para aliviar a tosse, poderia tomar uma colher de sopa de mel, sempre que sentisse necessidade. E escreveu, letra miúda como seus olhos: mel.

Olhou-me, receituário praticamente em branco, quase se desculpando por não me receitar nenhuma medicação em especial. E explicou que era contra remédios, e que eu apenas deveria beber muito líquido. Porém, ao invés de encontrar um paciente frustrado à sua frente, esperando uma lista de medicamentos que faria a felicidade da farmácia da esquina, percebeu que eu estava bastante satisfeita, pois, como ele, sou totalmente avessa a remédios. E mais satisfeita ainda por saber que alguns médicos, ainda que jovens, com toda a tecnologia química e farmacêutica ao seu dispor, têm posturas semelhantes àqueles antigos e sábios médicos de família, que nunca tentavam matar formigas com balas de canhão: iniciavam seus cuidados com repouso, proteção contra a “friagem” (essa entidade que até hoje permeia, misteriosa, nosso cotidiano), muitos chás e a indefectível canja de galinha. Que eu, como se ouvindo os conselhos de minha avó em outro plano, já havia providenciado.

Saí do pronto socorro sentindo-me aliviada. Não imaginava que aquele mal estar todo pudesse se tratar de uma simples gripe (ou IVAS, segundo Vitor), e que, o melhor, ela não havia evoluído a ponto de que eu necessitasse me entupir de drogas com suas bulas de letras quase invisíveis, lidas à base de óculos, a relatar efeitos colaterais terríveis. Significava que meu corpo apenas, com mel e muito líquido, podia pôr fim àquele tormento. Abelhas e água no lugar de milhões de dólares investidos em alta tecnologia e em profissionais top desenvolvendo medicamentos de última geração!... Senti-me repentinamente renovada, acreditando na saúde e na sabedoria dos antigos: maravilhoso nosso avanço tecnológico, sem dúvida, mas mais maravilhosa ainda nossa máquina viva, e a simplicidade dos cuidados que ela nos exige.

Pena que nem sempre nos lembramos disso...