MEMÓRIAS  (TREZE)



Quando eu saía para a rua, nas tardes ensolaradas, havia algumas coisas a observar no horizonte ( e como é bom viver num lugar onde se tem horizontes: o ambiente ajuda a forjar ao ser humano). A igreja, à direita; os trilhos, a estação lá embaixo, ao longe; à esquerda, o Jaraguá e à frente uma unidade dos Sanatórios Pinel. Chegou o momento de falar sobre o nome do meu bairro: Pirituba,
"terra das taboas" por causa da grande quantidade delas que crescia por toda parte, nas baixadas. Quando cheguei à adolescência, tinha vergonha de dizer onde morava, alguns caçoavam; creio que isso só acabou quando fizeram a música exaltando a Freguesia do Ó e afinal descobriram que era tudo a mesma coisa! Hoje sei que não poderia ter crescido num lugar melhor. As minhas lembranças acabam de confirmar isso.
Ocupando um grande espaço adiante da Av. paula Ferreira, em outra elevação, mas no mesmo nível, ficava o Sanatório, com seus quiosques e seus gramados e jardins imensos e bem cuidados. Podia ver as "loucas" passeando ou descansando. Quando o vento vinha daquela direção, podia ouvir suas canções, seus lamentos, suas risadas, como também notar os longos silêncios. Todo o conjunto era cercado por altos muros, mas às vezes alguém conseguia escapar, conversava conosco, pedia alguma coisa, até ser capturado novamente, pois onde iriam com as cabeças raspadas, aquelas roupas cinzentas, pesadas, de algodão, numeradas, sem serem reconhecidos?
Então, tendo convivido com isso, vendo os rostos, as bocas os olhos vagos, carreguei comogo uma lição: "preserve sua sanidade". Mesmo quando achar que está bem "pinel", quando se sentir "etezíssima" como falamos no site de astrologia em nossas discussões, disfarce Barta meu bem, para não acabar lá.
Assim, decidi que seria insano prolongar minhas histórias além desta, que é a décima terceira. Eu me desviaria. A criança, preservada, fica nesse ponto. Chega apenas até aí, viver sem filtros.O que vem depois já é transição, mundo adulto. A morte não existe e digo isso não por fé, mas porque vivi uma dessas "quase". Na verdade, prefiriria a fé, porque ainda se pode vacilar. Mas a certeza ... nos deixa um pouco destacados da realidade material, daquilo que todos valorizam. Durante nossa vida, passamos por ciclos, transformações em que ganhamos e perdemos. O que nos resta, então? Apenas o amor.Na Bíblia há duas passagens que conservo sempre na memória: "O Cântico dos Cânticos" de Salomão, que me evoca a saudade do amor ancestral, primordial, essencial, sempre ligado à minha melancolia das seis da tarde, do angelus, aquele que sempre anseia por algo que parece não encontrar; a carta de Paulo aos Coríntios que fala sobre a capacidade redentora do amor, sobre sua excelência. E diante de cada possibilidade, uma variedade de formas de amar, de crescer como ser humano, indicando que seja qual for o nível ou a forma, amar é o que vale a pena. estou mais uma vez relando um livro antigo que aclarou muitas coisas a respeito desses meus sentimentos. Na página de rosto, anotei o que transcrevo, embora não tenha anotado o autor:

"No esforço não há limite - o 'basta'.
Ardendo no entusiasmo e esforçando-se com afinco, com criatividade e engenhosidade, ininterruptamente, abrir-se-á um novo caminho para seu progresso."

2º Preceito da Palavra.
A Vida Do Homem E A Auto-Expressão

Thanks,
see you.