"Crepúsculo de uma Saudade"

Fim de tarde. O coração aperta. Penso que dali a pouco escutarei o elevador em subida direta e decidida parecendo obedecer ao comando dele, sempre determinado e objetivo. Anseio por escutar os passos firmes e fortes no hall de entrada e o ruído da chave na porta que me confirmam sua volta para casa. Daí virá o beijo, o abraço, e a sensação de proteção e segurança que se instalam no peito, apaziguam as incertezas e criam a ilusão de que a noite é apenas a promessa de passagem para o alvorecer de um novo dia.

Inquieta, olho pela janela e vejo um entardecer úmido e nostálgico. Algumas nuvens carregadas de chuva e delineadas pelos últimos raios de sol se dissipam abrindo espaço para um firmamento azul escuro. Um estranho silêncio se faz acompanhado por uma brisa que abana levemente as folhas das árvores da pracinha. O ladrar de um cão vindo de longe me leva ao antigo hábito de procurar no céu a primeira estrela, a estrela das adivinhações e pedidos. Quero saber se ele ainda a ama. Se um cão ladrar é porque sim, ele me ama; se uma criança chorar, ele sente saudades de mim; se uma porta bater, ele me odeia. Escutei o cão latir! Ou será que foi antes de ver a estrela? Não importa, sei que ele ainda me ama. E MUITO! - era assim que ele dizia.

A noite descia, calma e lentamente acompanhada pelas luzes dos postes públicos e das janelas dos prédios. Começo a escutar o elevador subindo, mas sei que não virá para o nono. Este som é o que trás o vizinho do 301. O elevador desce em seguida para apanhar mais alguém que chega do trabalho. Pelo barulho, deve ser a vizinha do sétimo. Escuto atentamente cada subida do elevador e durante aquela hora fico ligada a uma certa rotina que se instala no prédio: vozes de casais, crianças chorando, portas batendo, televisões ligadas, ruídos de talheres e cheiro de café.

Movimento-me automaticamente em direção à cozinha no afã de adiantar o preparo daquela sopa que ele tanto gostava. Volto com sorriso lacônico lembrando que já não preciso ter esse trabalho.

Agora o elevador começou a diminuir seu ritmo de trabalho e funciona apenas esporadicamente. Aos poucos vai se calando como que envergonhado e pedindo desculpas por não vir ao nono trazendo-o de volta para casa.

Desalentada, olho mais uma vez para a porta de entrada e sinto vontade de esmurrá-la. Ele não chega - meu Deus! - e o que fazer se tudo mais continua chegando? A noite chega, as contas, o medo, a saudade, a solidão. Como enfrentar tudo isto sozinha? Como ser feliz apesar de sua ausência?

Meu amor, dizia ele, o que a vida quer da gente é coragem! Estar preparado para as mudanças, as rupturas e o recomeçar. Olho novamente pela janela e percebo que, a despeito de minha vontade, o dia terminou. No meu crepúsculo interno, sinto-me insegura com a chegada da noite, pois é na escuridão que os medos e os fantasmas ficam mais claros. O que será de mim amanhã? Quem me abraçará com carinho quando eu estiver com medo e apreensiva? Quem vai me decifrar aquele complicado texto de filosofia? E as chatas notícias sobre política e economia, quem terá paciência para me explicar o que está nas entrelinhas? Quem lerá minhas bobagens quando eu as escrever e quiser uma opinião sincera? Quem escutará meus lamentos sem me interpretar ou me julgar?

Encho uma taça de vinho, e para espantar os fantasmas, faço passos de dança. Cantarolo deixando fluir a música latente que esteve em mim o dia inteiro como pano de fundo às minhas inquietações: “...quando não houver esperança, quando não restar nem ilusão, ainda há de haver esperança, em cada um de nós algo de uma criança; enquanto houver sol, enquanto houver sol, ainda haverá .... “

Enquanto houver sol.... sim, era isso que eu queria me dizer, insistentemente, o dia inteiro sem que eu ainda pudesse escutar. Enquanto houver sol, ainda haverá um alvorecer e uma nova esperança. Danço mais, canto mais alto, desejo que a vida me inunde novamente.

Quem sabe, eu mesma consiga me acalentar nos meus crepúsculos, dar um suporte para minhas dores e medos enquanto espero o sol novamente nascer?

Enquanto houver sol....

Rio, ago/07