Fruto do tempo

Cinco anos de idade: meus pais me levaram pela primeira vez à praia. Para ser mais específico Copacabana. Sim, já havia muitas vezes passado de carro perto dali, mas meus pais quiseram reservar um momento especial para mim para me levarem à praia, esperariam até completar os meus cinco anos.

-Mãe, mas a maioria dos meus amigos da escola já foi e só eu que não – a típica conversa fiada e chata das crianças. Fala sério, às vezes me pergunto: como os pobres pais agüentam essas chantagens dos filhos? Por esse e alguns outros motivos acho os pais sempre heróis e batalhadores, chegando muita das vezes serem besta para com seus sucessores.

-Ah meu filho, você sabe que reservaremos um momento especial para você, levarei quase toda sua família também, vamos passar o dia lá, ta bom? – Mas como toda criança é incompreensível e insistente comigo não aconteceu diferente, fiz um biquinho e olhava apenas aquela linda praia que se podia ver de longe, se visto de longe era tão bonito assim imagine de perto. Acreditam que naquela época até marcava no meu próprio calendário os dias que faltavam para o GRANDE dia? Pois é, como o tempo passa tão rápido não? Hoje, já aos 80 anos me lembra como se fosse hoje cada momento que passei em Copacabana pela primeira vez.

A praia naquele dia estava lotada, era tanta gente que de longe só se via os pontinhos negros no mar, costumava brincar que pareciam até algumas formiguinhas gigantes. Quase toda minha família estava lá, só não estava completa, pois os parentes dos meus pais não moravam aqui no Rio de Janeiro. Banhei tanto no mar que minha mãe teve que me puxar da água à força para poder tirar foto com minha família. Guardo ainda com carinho até hoje essa foto, sabe pelo menos isso “ganhamos” do tempo nesse aspecto: ele é rápido e passageiro, mas vendo as fotos tudo parece ser mais lento e duradouro, lembramos de bonitas (ou ruins) lembranças, lembramos do momento exatamente no retratado na fotografia, nós conseguimos adquirir um poder, conseguimos ser super-heróis por um momento: voltamos ao tempo.

15 anos depois: nesse momento já me encontrava formado. Estava ainda cursando a faculdade de medicina, e seria um sucedido médico futuramente. Um belo dia parei ao lado do calçadão de Copacabana e fiquei observando por um tempo as ondas lentas que faziam um movimento de vai-e-vem bem devagar. No primeiro dia que visitei a praia há 15 anos as ondas pareciam estar tão agitadas como nunca, talvez fosse a minha excitação e empolgação que sentia naquele momento que fez parecer isso, lembro até que “peguei” uma onda tão grande naquele dia que rodopiei tanto dentro do mar que fiquei tonto e consegui me ferir com a areia cortante da praia. Observei também um velhinho que se encontrava numa cadeira de rodas e que observava o mar também, estava tão concentrado que parecia acompanhar cada movimento das ondas com seus olhos. De repente ele começa a falar em um tom bem alto, não foi exatamente um berro ou grito, mas foi o suficiente para ouvi-lo falando:

-O mundo vai acabar! O mundo vai acabar! Daqui a alguns anos todos sofrerão os efeitos dos maus tratos do homem ao mundo. – Todos censuravam o pobre senhor com olhares.

Como assim “Daqui a alguns anos todos sofrerão os efeitos dos maus tratos do homem ao mundo”? Estaria aquele velho nos avisando sobre algum perigo ou desastre que provavelmente ocorreria no mundo? Não consegui tirar o que aquele senhor havia falado o dia todo de minha cabeça, como se uma bomba relógio estivesse sindo implatada no meu cérebro que não me deixava ao menos me raciocionar direito, afinal dizia respeito ao nosso próprio lar não? E o que se ele falou fosse verdade? Eu nada duvido, pois o homem está provocando aos poucos a sua própria destruição: o aquecimento global provocando os derretimentos das calotas polares e ainda o efeito estufa provocando chuvas ácidas e queimando as plantas e árvores dentre outros males. Para mim o ser humano é uma praga proliferadora. Desde o início dos tempos o número da peste só vem crescendo, como uma plantação alimentada por agrotóxicos, crescendo mais rápido e cada vez mais em maior quantidade.

60 anos mais tarde: encontro-me agora no carro com o meu neto, com destino à Previdência Social, precisava ajeitar tudo relacionado à minha aposentadoria. Ao menos isso o brasileiro tem direito a alguma coisa e ainda sim só na fase final da vida. Estava eu analisando a foto ao qual me referi à vocês no inicio do texto, quando sinto um pequeno tremor na terra, olho para o lado e pergunta ao meu neto, o qual tinha apenas 18 anos:

-O que é isso, Henrique?

-Não sei vô. Vou ver o que está acontecendo. – Essa seria a última vez que veria meu virtuoso neto, aquela seria a última vez que apreciaria aquela magnífica paisagem natural chamada praia de Copacabana, esta seria a última vez que iria à Previdência Social para ajeitar minhas aposentadorias, e por fim esta seria a última vez que gastaria minha vida num mundo onde não sei o que reina mais: a violência ou a corrupção. Só consigo sentir uma dor não doída, uma dor não sentida, uma dor talvez de tão forte, passageira e ainda consigo ver pela última vez meu corpo voando a quilômetros fora do carro e meu corpo rodeado de água. Naquele momento, o mundo acabou. Adeus, velho mundo.