Vida em Ângulos

Aqui estamos. Vivos. Inexorável condição. Seja aos cinco, dez, vinte e dois ou cinquenta anos.

Temos alguma obrigação quanto a isso? Sim. Manter a vida.

Somos aproximadamente seis bilhões de seres instalados neste planeta instalado no sistema solar. É uma área bastante extensa, e todos nós temos alguma noção disso: O mundo é redondo e gigantesco.

Infelizmente a esmagadora maioria (da qual faço parte) gasta um terço do seu tempo dormindo. Em estado de vigília gastamos o tempo que nos resta circulando em alguns míseros metros quadrados, dentro de outro quadrado, trabalhando (ou não) diante de mais um quadrado, este mesmo que você olha agora.

Acho que o mundo tornou-se quadrado.

Existem centenas, milhares de coisas e pessoas que nunca vimos e nunca chegaremos a ver. Nossa vida se resume a um grupo de no máximo (para ser otimista) cem pessoas com as quais nos "relacionamos" de alguma forma.

Existe também uma outra coisa importante para os humanóides. Algo retangular e encardido chamado dinheiro (money, tutu, grana, bufunfa).

Enquanto circulamos por aí, está implícita uma verdade universal: ou estamos ganhando o tal do retângulo ou gastando-o.

Definitivamente nem precisava um mundo tão gigantesco e nem tão belo para abrigar raça tão medíocre.

Essa escravidão velada nos consome tempo e energia suficiente para fazermos qualquer outra coisa mais divertida, porém...estamos ocupados!!!

Talvez eu só esteja escrevendo sobre isso por estar nesse momento sem qualquer retângulo na carteira, cheia de compromissos para saldar e sem a mínima idéia de como obtê-lo.

Me resta sonhar com uma vida alternativa, retirar-me pacífica e discretamente para um pedaço de terra sem cercas ou muros onde eu possa viver mais livre.

Não me julgo menos humanóide ou normopata que ninguém. Também cumpri e desempenhei papéis esperados: estudei, adquiri conhecimentos, trabalhei, casei, tive uma filha. Chorei, sorri...ganhei e gastei bastante notinha encardida.

Mas, é só isso? Eu quero mais! Quero explorar outros metros ou quilômetros que seja. Preciso respirar outro ar...meus olhos estão cansados de tudo que vi, meus braços e pernas sofrem do reumatismo da mesmice.

Os ouvidos, viciados no barulho constante que como um mantra tibetano se repete di a ri a men te: carros passando, um galo que canta na vizinhança, o gato que mia pedindo ração, a televisão anunciando coisas que, ou não servem para nada que é importante ou não tenho saldo para adquirir.

Nem minha voz quero ouvir, pois eu inteira estou viciada e doente das repetições lamentosas.

Não posso ensinar minha filha a viver assim. Sabemos que os pequenos aprendem por meio de exemplos. Não quero condená-la a um dia, lá pelos trinta anos escrever um relato desses!

Ainda não decidi para onde vou com ela, mas deixo aqui o registro de "mais um" normopata inconformado.

Voando Alto
Enviado por Voando Alto em 03/07/2007
Código do texto: T550771