Lembranças

Lembranças, algumas

Houve um tempo em que as chuvas caiam forte em janeiro. Lavavam os telhados, a agua escorria pelas biqueiras e rolavam rua abaixo. Os raios rasgavam o céu fazendo grandes e temerosos desenhos sobre o firmamento no entardecer. Mas, logo o tempo acalmava, os ventos cediam e a chuva, já era apenas chuvisco. Faltava energia elétrica, o telefone ficava mudo e o mundo inteiro era só calmaria... No dia seguinte o capim crescia entre as pedras do calçamento e algumas florezinhas amarelas brotavam nos muros repletos de musgo. Assim era a minha cidade, o bazar arquitetônico composto de moradas, meias moradas, portas e janelas e os sobradões. Havia apenas um único edifício, o João Goulat, nas proximidades dos palácios dos leões e de Laravardiere, mais abaixo, o mar e seus encantamentos. A beleza inconfundível da Av. Beira Mar, o Cassino Maranhense, que em festas memoráveis quantas paixões e tantos amores despertou em gerações que aspiravam o amor...

A vida circulava por ruas, praias e céu aberto de azul e também, pontilhado de bilhões de estrelas que desafiavam as nossas imaginações e nos fazia sonhar a cada noite de pura magia. Ah que saudades! No marasmo das noites insones eu ainda viajo por esses paraísos memoriais e, só em meu leito, eu murmuro palavras inaudíveis que somente eu as escuto, por virem das latitudes, de um vento norte e se confundem com as batidas de meu velho coração. E nessa hora, eu tenho uma família inteira, meus pais, meus irmãos, e somos felizes , como sempre fomos, em um tempo que passou tão depressa, tão desapercebido que nem pudemos contar os sorrisos nos encontros e nem as lagrimas de todas as despedidas...

Mas agora já é tarde, o relógio já passou das 2 horas e estou só, uma casa, a janela aberta, um ceu sem estrelas, o vento soprando suave pelo jardim de inverno, um mundo que já não nos pertence, a agonia da violência e do desrespeito e, finalmente a tua espera que nunca vens...

Airton Gondim Feitosa