Movimento pela Paz Mundial
 
Luiz Carlos Pais
 

Getúlio Vargas tomou posse no segundo mandato conquistado pelo voto, em 31 de janeiro de 1951, quando os Estados Unidos e a União Soviética estavam travando a Guerra da Coreia. Havia uma forte pressão norte-americana para o Brasil entrar no conflito. O presidente resistiu e ordenou o retorno de marinheiros brasileiros que estavam nos Estados Unidos. Várias instituições democráticas se uniram para fomentar campanhas pacifistas em todas as regiões do país. Os comunistas que estavam na clandestinidade aproveitaram essa plataforma de militância para tentar não se isolar das grandes causas populares. Além da bandeira pacifista, a carestia do custo de vida também passou a mobilizar manifestações populares.

Com base nessa conjuntura, o movimento em favor da paz mundial e contra a carestia do custo de vida chegou ao núcleo comunista de Paraíso. Foi nesse contexto que José Paes e seu amigo fotógrafo foram presos e acusados de atividades subversivas. A cassação do registro do partido comunista, em 1947, tinha iniciado mais um período de clandestinidade durante o qual foram criadas estratégias para não perder o contato com as causas populares. A militância passou a atuar em favor de questões de interesse popular. Para protestar contra o elevado preço da carne, foi organizado então um abaixo-assinado com cerca de 800 assinaturas, pedindo às autoridades o tabelamento do preço do produto.

As listas foram entregues ao prefeito, que nada podia fazer, pois o executivo municipal não tinha nenhum poder de controlar os preços. O prefeito apenas prometeu que ele convidaria os comerciantes para uma reunião a fim de discutir o assunto. O preço da carne continuou o mesmo. Houve uma mobilização em favor da ideia de tentar evitar o consumo do produto. Alguns comerciantes se sentiram prejudicados e foram reclamar para o delegado da cidade.


Dentro de poucos dias, nos meados de agosto de 1951, o fotógrafo José Diniz e o sapateiro José Paes foram presos, permanecendo uma semana na cadeia pública e depois foram transferidos para um presídio de Belo Horizonte, onde permaneceram 20 dias. Por determinação do então Juiz Nicolau Martoni, os dois retornaram detidos à cidade, onde deveriam ser submetidos a processos na Comarca em que os supostos delitos teriam sido cometidos. O envio dos dois para presídio da capital contrariava a legislação da época. Desse modo, dois meses depois do início do processo, José Paes foi inocentado. Diniz permaneceu mais algum tempo detido.

O delegado registrou no inquérito que ao efetuar prisões, havia sido apreendido material de propaganda comunista. Posteriormente, ficou comprovado tratar-se de jornais, revistas e livros vendidos livremente no comércio e alguns panfletos antigos impressos ainda no tempo da legalidade do partido. Após uma tentativa de habeas corpus em favor dos dois detidos, o Juiz Municipal entendeu que o processo deveria tramitar na jurisdição onde ocorreram os supostos delitos arrolados pela autoridade policial. O início da década de 1950, quando ocorreram os episódios acima, ficou marcado como um dos momentos mais tensos da Guerra Fria, travada entre as duas grandes potências da época, os Estados Unidos e a União Soviética. A Guerra da Coreia iniciou em 25 de junho de 1950 e terminou em 27 de julho de 1953. Os Estados Unidos pressionou para que o Brasil entrasse no conflito, enviando tropas para combater os norte-coreanos, apoiados pelos soviéticos e chineses. Getúlio resistiu. Mas a pressão exercida pelos Estados Unidos levou a uma caçada aos comunistas, que eram contra a entrada do país no conflito, em nome da bandeira pacifista.

A União Soviética pretendia expandir suas influências. Um congresso mundial foi organizado em Estocolmo por diferentes frentes democráticas em favor da paz mundial, que pretendiam levar à Organização das Nações Unidas milhões de assinaturas oriundas de diversos países para condenar o uso das armas atômicas. Esta era uma luta de vários países cujas populações estavam ainda estarrecidas com os efeitos das duas bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos sobre as populações civis das duas cidades japonesas, Hiroshima e Nagasaki.

Diante desse clamor em favor da paz, os comunistas aproveitaram o ensejo para difundir suas militâncias. Seria uma estratégia plausível se, por traz do discurso pacifista, os soviéticos não estivem a pleno vapor no desenvolvimento de sua indústria bélica. Foi nesse contexto nacional que a bandeira em favor da paz mundial empunhada pelas lideranças comunistas do país chegou à São Sebastião do Paraíso.
Em 10 de setembro, o chefe da DOPS encaminhou ofício ao Juiz Nicolau Martoni, informando-lhe que atenderia a ordem judicial, como de fato ocorreu. O inquérito policial foi instaurado pelo delegado local, tentando enquadrá-los nas penas do artigo 3º item 9 do decreto lei 431 de 18 de maio de 1938.

O delegado da capital enviou ofício ao delegado local, elogiando o relatório por ele elaborado para embasar o inquérito policial. Cópias desse relatório foram enviadas aos órgãos da polícia política do Rio de Janeiro e de São Paulo. Os nomes dos dois “agitadores comunistas” foram incluídos nos principais centros da polícia política do país. Mas, conforme havia oficiado o delegado da capital, Diniz e José Paes retornaram a Paraíso, por intervenção do juiz Nicolau Martoni, dando início ao julgamento da justiça local.


Graças aos generosos préstimos do ilustre advogado Dr. Vilobaldo Gil, em atendimento a uma solicitação de minha família, foi possível acessar a íntegra do processo instaurado contra José Paes. Após permanecer de dois meses preso, ele respondeu a um processo e foi inocentado das acusações que lhe fora imputada na fase do inquérito policial. Conforme consta no processo, o material aprendido na sapataria de José Paes era papeis do tempo que ainda funcionava o Partido Comunista e que os recortes de jornais eram de “periódicos que continuam a circular livremente” Em face dessa constatação, o juiz decidiu pela sua absolvição.
 

Um relatório de 1952 informa aos órgãos da vigilância política uma série de dados estatísticos e sociais de São Sebastião do Paraíso, com destaque para assuntos que poderiam envolver trabalhadores, operários, partidos políticos, jornais, emissora de rádio, agremiações diversas, associações esportivas e sindicatos, suas lideranças e diretorias. Uma atenção especial é dedicada aos cidadãos considerados como os onze comunistas mais notórios da cidade, entre eles, o comerciante Carlos Gaspar, o fotógrafo José Diniz e o sapateiro José Paes. A descrição de cada um deles na visão do agente policial pode ser destacada na imagem abaixo reproduzida.


Campo Grande, MS, 24 de Janeiro de 2016
Obs. Esta crônica é um capítulo do livro do autor "História Recente de São Sebastião do Paraíso (1933 - 1964)".