Uma denúncia explosiva

Luiz Carlos Pais
Faltava pouco mais de um ano para desencadear o golpe de 1964, quando chegou uma grave denúncia ao DOPS de Belo Horizonte, indicando uma possível entrada ilegal de explosivos na região de São Sebastião do Paraíso. O clima político já era tenso em diversas regiões do país, pois começavam a fomentar os primeiros discursos radicais da esquerda em favor da luta armada. Mas até que ponto essa opção radical teria chegado ao sudoeste mineiro? Na dúvida, as autoridades responsáveis determinaram que um agente baseado na capital fosse verificar a veracidade dos fatos locais.

O agente policial permaneceu um mês na cidade, hospedado no Hotel que havia na praça. Alguém viu algumas pesadas caixas de madeira numa transportadora. A fértil imaginação deduziu que dentro estariam os supostos explosivos. A rotina do serviço de transporte foi alterada e a carga não foi entregue. A gravidade da denúncia deve ser avaliada em relação ao momento agitado pelo qual passava o país. Em julho daquele ano, como era do conhecimento dos órgãos militares, a esquerda católica havia fundado a Ação Popular, uma das mais importantes núcleos de combate ao regime militar. Foi também nessa época que os Estados Unidos começaram a considerar a possibilidade de apoiar um golpe militar no Brasil.


Enquanto isso, Brizola discursava por uma grande cadeia de rádio do país, dizendo que se não fosse eleito um parlamento popular, nas eleições de outubro daquele ano, a revolução aramada de esquerda seria inevitável. Nessas eleições, o partido do presidente Goulart recebeu expressiva votação que garantiu ao governo maioria na Câmara. Para completar essa agitação no final de 1962, um avião da VARIG caiu no Peru e foi descoberta uma mala diplomática cubana com relatórios sobre a guerrilha organizada pelo Julião no nordeste. (Gaspari, 2002)

O agente relata que assim que chegou a Paraíso, ele procurou o autor da denúncia, sendo informado que as supostas caixas de explosivos estavam retidas em um depósito de empresa de transporte. No relatório policial consta ainda que, após analisar os três pesados caixotes de maneira, foi identificada a casa comercial destinatária da carga, a firma Fernando Grillo Limitada, uma tradicional empresa especializada no comércio de ferragens em geral. Tinha alguma coisa errada com aquela cena, pois o honrado e saudoso comerciante paraisense era cidadão de plena confiança de todos, com exceção do denunciante de seu pequeno grupo.

Mas, o agente estava cumprindo ordens superiores e teve a cautela de procurar, previamente, o senhor Fernando Grillo para que ele mesmo e as demais autoridades policiais da cidade presenciassem a abertura das três referidas caixas. Um fato despertou ainda mais a atenção do policial, pois as referidas embalagens seriam, supostamente, usadas para o transporte de dinamite, estando ainda escrito na parte externa uma palavra inglesa que eles entenderam significar “dinamite”. Ao ver as caixas, o comerciante esclareceu que dentro delas teria grampos para construção de cerca de arame farpado. Abertos os três pesados caixotes a informação do honrado comerciante foi comprovada. O policial pediu desculpas e agradeceu a colaboração do honrado comerciante. Uma vez esclarecido o lamentável engano cometido pelo denunciante, o agente relata que aproveitou sua presença na Casa Grillo para verificar a sua devida licença para comercializar armas de fogo.

A mesma fiscalização foi feita em outra conhecida casa comercial de ferragens da cidade, estabelecida à Praça Comendador João Alves, que também comercializa armas. Registrou o agente que tudo estava legal com essas duas respeitadas empresas, pois seus proprietários mostraram os protocolos de solicitação da necessária licença para comercializar armas. Após esclarecer que não havia explosivos nos caixotes e que estava tudo certo com a licença dos dois comerciantes, o agente permaneceu por alguns dias na cidade para resolver outro problema que coincidentemente teria ocorrido nos mesmos dias da visita do agente à cidade.

Houve uma greve de estudantes secundaristas, a qual teria sido apoiada por outros estudantes que vieram da capital. Eles manifestavam contra o aumento do preço do principal cinema da cidade, localizado na praça central. A estratégia estudantil teria sido a tentativa de impedir que as pessoas entrassem no cinema, forçando a manutenção do preço anterior. Os estudantes teriam até jogado ovos podres e vaiado aqueles moradores que se dispusesse a entrar no cinema. Os estudantes teriam lançado coquetéis fabricados com produtos maus cheirosos, sendo relato do agente, e que o reduzido número de policiais da cidade não era suficiente para reprimir a manifestação, cujo número de participante foi estimado pelo policial como sendo em torno de 500 estudantes.

Conforme consta no documento, teria ocorrido uma série de rumores pela cidade que os estudantes secundaristas comandariam um ataque ao comércio e bancos existentes nas proximidades da praça central. No entendimento do agente, uma agitação estaria sendo fomentada por indivíduos externos à cidade, citando no relatório o nome do suposto líder estudantil oriundo da capital mineira. O boato não se confirmou, pois, na noite do suposto dia do ataque, tudo teria sido resolvido pela providência dos céus que fez cair sobre a cidade um forte temporal, acalmando os ânimos e dispersando os estudantes. Para evitar maiores conflitos, teria ainda ocorrida a intervenção do vigário local para mediar uma negociação com os proprietários da empresa de cinema.

Campo Grande, MS, 24 de Janeiro de 2016