Aprendendo com os Sonhos
 
Num sábado de chuvosa manhã, levantei mais tarde, tomei tranquilamente meu café e sem ter nada a fazer, parei na porta do escritório e fiquei olhando a estante recheada de livros, a maioria bem arrumados e alguns poucos empilhados.

Ali parado, fiquei pensando que havia iniciado a leitura de diversos daqueles livros e que não os havia terminado. Notei alguns marcadores de páginas saltando aos meus olhos, me intimando, e me aproximei da estante.

Quando chego mais perto, noto um livro de pé, com a capa virada para frente e me chama a atenção a foto que o capeia. Pensei, como esse livro veio parar aqui, porque ele não é meu. Quem mais se interessaria por esses assuntos, que dou tanta importância ou conhecia um dos personagens da foto de capa?

Enquanto estava intrigado e absorto naqueles pensamentos, segurando o livro na mão, fiquei a observar a foto e logo reconheci um dos personagens.

Mas, para o meu espanto, a imagem congelada da foto começou a mover-se lentamente e os quatro personagens presentes começaram a gesticular e conversar entre si. E eu, de observador de uma foto, passei a espectador de uma cena que começou a desenrolar-se, com um diálogo, no mínimo surpreendente.

Quando a cena morta ganhou vida, pude ver claramente as expressões dos rostos dos personagens, a clareira no bosque onde se encontravam num fim de tarde, com o vento balançando levemente seus cabelos e ouvir suas vozes.

O escritório e o livro desapareceram, restou apenas um espectador num fim de tarde, na clareira de um bosque, acompanhando um diálogo que se referia a um fato ocorrido e que estava sendo documentado jornalisticamente com os personagens envolvidos.

E agora, eu era uma testemunha de uma conversa entre pessoas envolvidas numa ocorrência tida como milagrosa, porque tratava de um fato que havia ocorrido meses antes e que naquele momento estava sendo confirmado com a presença do médico que havia examinado a paciente, antes e depois do evento.

Pasmo, nunca ouvira falar que J. Krishnamurti tinha poderes para realizar algum milagre, e o que estavam conversando ali era sobre algo do gênero. Intrigado, fiquei prestando atenção na conversa que se desenrolava, mas eles não me viam e ao que parecia eles queriam privacidade.

Os personagens envolvidos eram o renomado sábio Hindu, J. Krishnamurti, um médico, uma jornalista e uma jovem mulher que havia recém-dado à luz a uma saudável criança, como atestara o Dr. ali presente.

O que se passara na realidade e estava sendo documentado, era que um tempo antes, a jovem mulher num momento de amargura e infelicidade provocou um aborto, tendo assassinado o feto, cuja morte fora constatada pelo Dr. ao examiná-la quando chegou ao hospital.
Coincidentemente, J. Krishnamurti visitava um amigo no hospital e pessoas da família da jovem que o conheciam e admiravam sua sabedoria, acreditavam que se alguém poderia fazer alguma coisa por ela e seu bebê era ele, e lhe pediram que a visse e tocasse sua barriga. Sem nenhuma pretensão e apenas atendendo ao pedido de amigos ele prontamente tocou suavemente a barriga da jovem, sem dizer uma palavra. Enquanto um silêncio sagrado enchia a sala, JK reverencialmente se despediu e partiu.

De algum modo, um ano depois, o assunto chegou ao conhecimento da imprensa, que se interessou pela cobertura do caso e um Jornal designou uma repórter para entrevistar os personagens envolvidos, num ambiente do agrado de JK, que relutou em aceitar tal convite.

A repórter fazia perguntas a jovem e ao médico, procurando confirmar com cada um o que realmente havia ocorrido, se o feto estava morto e se o toque do JK, de fato o havia feito reviver, como havia atestado médico.

Estranho, foi que num momento do diálogo, ouvi o JK dizer que quando uma criança vem ao mundo é uma manifestação da mãe cósmica. De tudo que eu houvera lido de suas palestras, ele nunca usara esse tipo de expressão. Me surpreendeu, eu queria indagá-lo a respeito.

Quando o diálogo deles terminou, o JK se despede e sai caminhando lentamente pela vereda do bosque, eu vacilo por um instante e de apenas espectador entro correndo em cena, apressando o passo para alcançá-lo, antes que o perdesse de vista.

Quando emparelho com ele, me olha e sorri. Eu ainda meio ofegante, caminho ao seu lado e em seguida pergunto qual significado da expressão Mãe Cosmica, porque nunca antes o vira usar tal expressão. Ele me olhou novamente, não disse nada, apenas sorriu e continuou caminhando do meu lado.

De súbito, escuto um tropel e assustado me viro, olhando para trás para ver do que se trata, eis que um enorme touro vem ao nosso encalço e quando me volto para correr, cadê o JK, ele havia sumido e só restava eu fugindo desesperadamente daquele gigantesco animal.

Assustado, corri o mais rápido que pude até alcançar a primeira árvore que pudesse subir e ficar em segurança e assim o fiz numa fração de segundos antes que ele me alcançasse.
Ufa! Que susto!

Protegido no alto da árvore pude observar o porte e os enormes chifres daquele animal e avistar ao longe vaqueiros tocando o gado, até que um deles veio em direção ao touro e tranquilamente o levou de volta para o rebanho, ignorando completamente a minha assustada presença apoiada num robusto galho.

Após aquele susto, ainda na árvore, fiquei pensando o que significava aquilo, um touro me perseguindo e no momento em que mais precisava, o sábio desaparecera deixando-me só.
Lembrei que em alguns contos, os mestres pregavam peças nos discípulos e eu me sentia um discípulo. Ai tive medo de descer da árvore, pensei que poderia ter mais uma peça, imaginei que poderia ser uma serpente desta vez e finalmente acordei.

Passados seis meses, em 1990, estava participando em Brasília de uma Convenção da minha categoria e num intervalo sai para fazer um lanche no Shopping Nacional e ao passar por uma livraria tive vontade de entrar e ver se havia algum livro interessante. Estou ali distraidamente, olhando um livro aqui, outro ali e eis que de pé, de capa virada para a frente na estante, vejo o livrinho intitulado A Arte do Pastoreio do Touro.

Seu eu não tivesse tido aquele sonho, jamais reconheceria o  tal livrinho, porque não me interesso por criação de gado e o curioso é que essa obra trata dos dez passos no caminho da sabedoria, escrito pelo mestre zen Kaku-as Shi-em, da dinastia Sung, por volta do ano 1200.

Que gratidão tenho por esse sonho materializado!

Não é de um realismo fantástico?