O Marketing de Zé Português

Zé Português arrumava a Caravan azul, placa AK-2971. Gostava de madrugar na estrada. O destino desta vez era Barreiras, no oeste baiano. Saia cedo, precisava vencer o asfalto até Ibotirama.

Daí em diante, estrada de chão e notícias de assaltos à luz do dia. Ia fazer inspeção nas máquinas de terraplenagem do Batalhão de Engenharia para vender peças e serviços. Era o ano de 1978.

Como inspetor, Zé tinha bastante influência com todo o contingente do batalhão. Do Comandante aos civis, conhecia todo mundo. Sempre foi um negociante e não perdia tempo para vender algumas bugigangas. Um dia, contou que conseguira vender com extrema facilidade uma máquina de escrever de fabricação inglesa e que o comprador não percebera a inexistência do c cedilha e dos acentos.

Inspeções feitas, Zé sentava-se diante do Tenente para fechar os serviços e agitava o pulso esquerdo, chamando a atenção para o relógio que usava, fundo azul e mostradores dourados, um espetáculo de relógio folhado a ouro. O militar se encantou e perguntou ao Português.

- Seu Zé, o Sr. não me venderia esse relógio?

- Não, Tenente! É de muita estimação. Foi minha mãe que mo deu – falou com o sotaque carregado.

- Seu Zé, dou duzentos cruzados.

- Nem pensar, foi minha mãe que mo deu. Não posso fazer isso, ela não me perdoaria!

- Ora Seu Zé, bote preço no relógio!

- Não posso vender, já disse, foi minha mãe que mo deu. É de estimação, ela trouxe de Portugal.

Zé disfarçou e voltou ao negócio de máquinas. Foi almoçar no rancho acompanhado do Tenente. Voltaram a falar sobre o relógio e disse que venderia se o Tenente estivesse disposto a pagar o dobro da primeira oferta, assim amenizaria o drama de consciência que ficaria em relação à sua mãe.

O comprador fez cara feia, mas acabou concordando com os quatrocentos cruzados. Com cara de tristeza, Zé entregou-lhe o relógio e foi visitar o resto do pessoal.

No caminho, satisfeito, o Português abriu a pasta, tirou outro relógio igual ao que havia vendido e pôs no pulso.

Tinha mais três guardados na pasta e todos foram vendidos na mesma condição e estratégia.

Luiz Sangiovanni
Enviado por Luiz Sangiovanni em 04/07/2007
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