CASA POBRE EM VILA RICA

(OBS: essa crônica foi escrita em fins de 2008 e ficou "perdida" em minhas pastas de emails até agora. Publico antes tarde do que nunca!)

CASA POBRE EM VILA RICA

Neste belo dia 2 de dezembro se comemorou o DIA NACIONAL DO SAMBA e isso me fez lembrar de minhas "raízes" enquanto compositor, meu inicio na seara da Música. Criado no interior do Paraná (e de SC) apenas com a legítima música caipira, de violas e acordeons, saltei de uma hora para outra para o mais puro ou cru dos movimentos negros, o "samba de terreiro" -- adiante, com o título de "samba de quadra", embora a festa se desse ainda em solo de terra batida -- no velho Morro dos Cabritos, acima do Túnel Velho, em Copacabana, Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa naqueles anos 70 de Copa do Mundo e Ditadura Militar, festa e repressão andando lado a lado.

Morávamos num barraco bem ao lado da quadra do Bloco Carnavalesco Unidos da Vila Rica, na época O ÚNICO BLOCO -- me corrijam se eu estiver errado! - existente na Zona Sul, ou pelo menos em parte dela. Por volta de 1980 ou 81, pouco antes de eu sair definitivamente do Rio, o Vila Rica subiria para outro Grupo, do qual desceu no ano seguinte.

Aprendi a gostar de samba colado à parede do quarto-sala do barraco, a menos de 2 metros da bateria do Bloco, num local onde tinha imensa pedra negra, granito que presenciou festas e também muita patifaria, já que a malandragem se reunia toda madrugada "bem debaixo de nossa casa", que ficava trepada numa pedreira.

Infelizmente, nunca me senti parte do Morro e nem daquela vida de sacrifícios e privações, não me relacionava com praticamente ninguém -- embora nascido lá e tendo vivido naquele martírio por quase 15 anos -- e, como era tímido, nunca frequentei a quadra de samba, exceto uma noite qualquer, na escolha da melhor sambista do Bloco. Mas não perdia um segundo dos ensaios, "grudado na parede" do barraco e vendo tudo pelos buracos dos pregos outrora existentes. (OBS.: inicialmente, naquele local havia apenas um barracão que servia para as sessões de "macumba" de um jovem chamado de "Pai JORGINHO". Mais tarde, o sujeito foi alojado na encosta do morro e a área virou campo de futebol a semana inteira e quadra de samba aos sábados/domingos.)

O VILA RICA e seus magníficos compositores influenciaram minhas primeiras produções na área da Música e, adiante, me tornei fã de sambistas renomados -- Martinho da Vila, Paulinho da Viola e Clementina de Jesus, entre tantos outros e outras, Elza Soares principalmente -- sem esquecer os nomes e as composições dos principais sambistas (do Bloco) dos primeiros dias dos coloridos e roqueiros anos 70.

Entre os compositores mais importantes estavam Luis "Chimbirra" (não sei se era sobrenome ou apelido), o velho e respeitado "Jorge Ben e até o "tampinha" "Segunda-Feira" -- "sombra" do malandro mais temido da área, o 'Marocas" --que subia no palanquinho de metro e meio de largura para entoar exatos 6 versos:

"Numa alta madrugada

eu encontrei o meu amor...

o sereno estava caindo (pois é, pois é!)

e o sereno não me molhou.

E lá vinha o refrão simples e belo, repetido diversas vezes e levantando a multidão:

"É mais uma madrugada

que eu passei com meu amor!"

De "Jorge Ben", voz ímpar, sem igual na região, algo próximo do famoso Aniceto do Império, só me lembro do "Subindo a Ladeira", cujos primeiros versos estampei em meu texto sobre as agruras de se viver num Morro, o 'UM DIA EM LILLIPUT", postado no megasite cultural OVERMUNDO, que pode ser consultado pelo link:

www.overmundo.com.br/banco/um-dia-em-lilliput

Jamais mostrei meus "sambinhas" para quem quer que fosse e admirava o pai da Sandra -- minha bela vizinha, amiga de infância -- conhecido por "Pauzinho" que, com uma lata d'água sobre a perna, passava horas cantando seus sambas, acompanhado do amigo e vizinho, seu "Bené", batendo copo ou 2 colheres.

Infelizmente, recentemente a esperança me abandonou e cansado de sonhar em ver meus trabalhos sendo cantados (ou até gravados), toquei fogo em tudo. Viraram cinzas mais de 600 poemas (entre trovas, sonetos, cordel e poesia livre) e pelo menos umas CEM MÚSICAS, entre elas uns 30 sambas, boa parte em homenagem ao bloco Vila Rica, inclusive um samba-enredo sobre os vikings e a pedra da Gávea, cujo título era "A Cabeça do Imperador"!.

Sobrou na memória senil o que está abaixo, trechos de "sambas de terreiro", CURTINHOS como devem ser, já que ficam "na fila" para cantar até a alta madrugada uns 15 ou 20 compositores, nas grandes Escolas de Samba até mais do que isso. Aí vão:

Vamos cantar

para tod'as regiões

as mais lindas canções

que o povo quer ouvir

e nosso samba

que é todo harmonia,

alegria e fantasia,

vai o povo seduzir.

(refrão/BIS)

Vamos cantar,

ó moçada brasileira.

Vamos sambar,

juventude altaneira,

que o VILA RICA

vai tocar a noite inteira...

que o VILA RICA

vai sambar a noite inteira.

"NATO" AZEVEDO

******************

(refrão/BIS)

Vem lua, eh, vai lua, ah...

nêgo no batuque

não para de batucar.

I

Nossa bateria

está botando "prá quebrar".

É samba, show e alegria,

o VILA não pode parar.

"NATO" AZEVEDO

(CONTINUA...

esqueci o resto da música)

*****************

Surdo, cuíca e pandeiro

pela noite a batucar...

é o "samba de terreiro",

a chuva caindo devagar.

É o VILA RICA quem diz:

"nosso samba não pode parar"!

E eu me sinto feliz

em dele participar.

(refrão/BIS)

Samba, show e alegria

o VILA RICA tem...

mas ritmo e harmonia

é importante também !

"NATO" AZEVEDO

No texto citado acima, UM DIA EM LILLIPUT, comento como era dificil a subida do Morro, numa viela escura e cheia de mato e lixo, entre dois prédios próximos da entrada do Túnel Velho. Fechado esse "atalho', passaram-se vários anos até que uma alma bondosa cedesse a escadaria que dava acesso à seu casarão, "na boca do Túnel", facilitando (?!) a vida dos favelados, que escalavam uma perigosa escada de madeira, com uns 70 graus de inclinação, num permanente risco de acidentes, principalmente de mulheres com enormes trouxas de roupa na cabeça.

"NATO" AZEVEDO (postado no site OVERMUNDO em dez./2008)