UM IDOSO MANEIRO

Agora é oficial. Sou obrigado a admitir que sou (argh) idoso.

Sob o ditame da lei e ante os disparates que ouço dos maldosos, cedo ao óbvio.

Art. 1o É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Quando o sujeito chega à maioridade, toma ciência de que já pode ser preso em cadeia comum, processado, taxado, multado, responsabilizado por qualquer menor deslize, e terá de morrer com muita grana, para poder viver com um mínimo de conforto. O infeliz descobre logo, que a vida adulta é uma festa, cara, rotineira, cheia de regras e exigências, com bem poucas pausas de descanso e curtição, que custam mais ainda, e sem papai e mamãe aliviando.

Quem consegue atravessar essa floresta existencial, sem deixar cair a peteca, costuma ser chamado de “idôneo”. São elementos cada vez mais raros neste mundo. Quando, porém, o cristão termina a travessia e pensa que pode desfrutar de um merecido descanso, descobre que deixou de ser idôneo, para se tornar idoso. Não é uma simples troca de nomenclatura.

As dores se tornam tão comuns e freqüentes, que se o cidadão acorda sem nenhuma, já pensa, automaticamente, que está mortinho da silva. O fôlego e a virilidade se tornam vagas lembranças; os sentidos da audição e visão vão ficando cada vez mais sem sentido; o joelho dobra muito bem, só não desdobra mais; perebas, achaques e piripaques se tornam palavras usuais e cotidianas, e o melhor equipamento à mão, ao invés do celular, vem a ser o medidor de pressão arterial. Se alguém o encara muito, deve estar procurando manchas estranhas.

Você deixa de conversar sobre cursos, carreira, oportunidades de trabalho, comentar sobre colegas e amigos que desenvolvem atividades promissoras, para discorrer sobre planos de saúde, farmácias que dão descontos, remédios genéricos mais baratos, excursões para a terceira idade, atividades artesanais ou jogos, como dominó, tranca, pif e cacheta.

Ao encontrar amigos e conhecidos, sua alegria, imediatamente, se transforma em atroz espanto, ao vê-los entregues às rugas, aos cabelos brancos (quando ainda existem), barriga proeminente, voz rouquenha e dentes novinhos (reluzente perereca). O pior é quando, ao invés de encontrá-los, fica sabendo que já se foram ou estão na fila do desmanche. Por mais devoto que seja, por mais que disfarce e dissimule, seu pensamento é um só: “Serei o próximo?”

Outro dia vi, numa rede social, uma postagem que dizia: “A terceira idade é uma merda, mas é preciso aproveitá-la, porque é a última.” Sobre isso tenho dois questionamentos.

Primeiro, é preciso definir o que vem a ser a terceira idade. Eu nem sei quais são as outras duas. Quando começa e termina a primeira ou a segunda idade?

Vamos dizer que a primeira idade seja a infantil e termine aos dezoito ou vinte e um.

Igualmente, a segunda terminaria aos sessenta, quando começa a terceira.

Se a primeira dura vinte e a segunda quarenta, temos de entender que a terceira deve durar, pelo menos, sessenta anos. Então estamos garantidos até os cento e vinte. Certo?

Na verdade, não faz muita diferença, porque o coitado, depois de capengar por algum tempo, vai ficando tão gagá, que nem lembra mais quem é e quantos anos tem.

Segundo, quero deixar claro que alardeiam aos quatro ventos que o estatuto do idoso garante uma carrada de direitos e benefícios aos velhinhos, mas isso só existe na teoria. Você pode andar de graça em ônibus (se conseguir entrar em um), tem estacionamento e assentos reservados (que estão sempre ocupados só por um minutinho), tem direito a atendimento em bancos e repartições públicas ou privadas, denominado preferencial, só que a fila preferencial demora muitíssimo mais que a convencional. Se tentar reclamar, vão lhe dizer que velho tem tempo de sobra, que não faz nada o dia inteiro e pode, muito bem, esperar mais.

Se você chegou aos sessenta, não esquente a moringa, não reclame. Siga o conselho da ministra: Relaxe e aproveite. Só não relaxe demais, ou vai levantar com dor na cacunda.

Lembro que era tratado por você, onde quer que fosse, mas depois passaram a se dirigir a mim como senhor, e as crianças me chamavam de tio. Outro dia, uma garotinha gritava: Vovô, vovô! Quando fui dar conta, vi que a coisa era comigo. O pior é que a mente trabalha com a idéia de que paramos lá pelos trinta e poucos (mentalmente, somos jovens), mas se eu tentar paquerar uma garota, ela, com certeza, vai achar que estou tendo um tique nervoso, e vai me oferecer seu assento, pensando: Coitado do velhinho! Tão acabadinho!

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 08/02/2016
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