BABAQUICE VERSUS REBELDIA

Desde o tempo em que babaca se chamava basbaque, a coisa não mudou muito.

O dicionário diz que o babaca é simplório, tolo, bobo, o que pode até acontecer, pois eu mesmo fui um babaca desse tipo, durante boa parte de minha existência, mas há outro tipo de babaca, que é grosseiro, violento, autoritário, criminoso. É, infelizmente, o mais comum.

Hoje se juntam em partidos, blocos, agremiações, clubes, para partilharem a idiotice que lhes infesta os miolos. Depois saem pelas ruas, destruindo o que vêm pela frente, surrando os pobres coitados sem teto, índios, homossexuais, infiltrando-se em passeatas, para vandalizar, agredir policiais e cidadãos, xingar todo mundo e sair gritando, rindo, sentindo-se vitoriosos.

Costumam se apresentar como idealistas, socialistas, mas sua base filosófica parece vir de fascículos, disponíveis em bancas de jornal. Vêem-se como rebeldes justiceiros.

Desde quando vandalismo é rebeldia autêntica, como forma de protesto?

Machucar policiais, amedrontar cidadãos e agir com violência, nunca resultará em algo bom. A violência só atrai mais violência, e quem destrói, sem dor na consciência, aquilo que é de utilidade pública, não tem estofo para representar nenhum segmento social. Nem de longe.

Existe uma diferença gigantesca entre rebeldia e babaquice.

O rebelde sensato, mesmo sendo radical, nunca desrespeitará ninguém frontalmente, mas utilizará sua verve, seu raciocínio, para debater, exemplificar, demonstrar o que está muito errado e o que pretende como alternativa. Mesmo tendo de enfrentar os poderes constituídos, as elites, as forças de repressão, sempre combaterá passivamente, com a força da inteligência, a desobediência civil, a mobilização pacífica, o respeito ao cidadão e suas necessidades.

O babaca é grosseiro, se julga inteligente, culto, informado, politizado, engajado numa luta de classes, não sabe ouvir, só falar (gritando, geralmente), não aceita opiniões contrárias, age com violência, acha que destruir, machucar ou matar são acidentes de percurso, válidos, para alcançar seus objetivos (a velha retórica de que os fins justificam os meios). Quando fala, tenta justificar seus atos, discorrendo sobre socialismo e igualdade de direitos, mas sempre é o primeiro a desrespeitar o próximo, impor suas regras, sua visão de mundo e suas vontades.

Quase sempre o babaca é filhinho de papai, malandro, largado, mancomunado com as facções mais bestiais e agressivas que existem, e acaba sendo mantido por elas.

Sempre respeitarei um rebelde que se posicione contra as arbitrariedades e absurdos da sociedade, que combata abusos, excessos, desvios legais, injustiças, ineficiência e corrupção. Quem combate esses males da maneira correta, merece toda consideração, porque é digno cidadão, consciente, ativo e dedicado ao equilíbrio do bem comum. Sua ação é construtiva.

Já o babaca não merece o menor respeito. Só consegue sobreviver e prejudicar outras pessoas, porque há outros babacas, como ele, ou piores até, que sustentam suas atrocidades e seu modo desregrado de viver. As ações de ambos são destrutivas.

Já passei por maus bocados, nas mãos de babacas de todo tipo.

Vivo de forma marginal, não me alinho aos valores sociais, sou contrário a determinadas convenções, e sempre vivi assim, desde a meninice. Trabalhei como músico, já fiz muita coisa diferente em teatro, e como minha adolescência se passou na época da ditadura, comi o pão que o diabo amassou, por me posicionar contra a violência policial e o autoritarismo. Sempre usei meus textos, minha verve e outros procedimentos, para denunciar, desmistificar, ironizar, esclarecer, mas jamais desrespeitei pessoas com quem interajo, não deixo de ouvi-las, não imponho nada, não destruo objetos, patrimônios, crenças e opiniões.

Todos têm direito ao livre arbítrio, e isso é imexível.

Durante a infância e adolescência vivi entre babacas militares e babacas subversivos, que atazanavam a vida de todos, mesmo que de formas diferentes e crendo em diferentes vias de ação. O fato é que ambos prejudicaram a vida de milhares de pessoas, achando que faziam grandes coisas. Todos eles só fizeram besteira, de cabo a rabo.

Uns me prendiam, batiam, humilhavam e restringiam meus movimentos, impedindo que pudesse estudar e trabalhar normalmente. Outros me desprezavam, xingavam, impediam que me apresentasse em público, só porque eu não me afinizava com suas iniciativas.

Enfim, se perco meu tempo desenvolvendo este texto, o faço tão somente para vomitar a indignação que me assola o íntimo, ao ver babacas por todo lado. Nas altas esferas, nas ruas e repartições, no esporte, religião, artes, mídia e até na intimidade dos lares. Pobres crianças!

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 09/02/2016
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