A panela de pressão

Mamãe acordou apressada, foi até ao fogão a lenha, pegou a pesada chaleira de água quente, deitou-a na pequena bacia de alumínio, e com as duas mãos lavou o rosto apressadamente.

Colocou seu único vestido de domingo em plena sexta feira. Penteou os longos cabelos negros, perfumou-se com água de cheiro e passou em sua face o pó de arroz com muita leveza deixando a mais bonita.

Num pequeno picuá feito de retalhos, colocou aquelas notas vermelhas após contá-la por duas ou três vezes. Arramou o mesmo numa das alças do seu soutien de bojo, pois sabia que ali que estava seguro, pois levara muito tempo para ajuntar o dinheiro cujo objetivo era realizar um velho sonho.

Na mariquinha o cheiroso café impregnava toda a cozinha envolta em uma frágil nuvem de fumaça. Tomou um golo de café às pressas acompanhado de broa de fubá. Comendo e falando ao mesmo tempo deu todas as informações. Pegou uma pequena mala preta e foi apressadamente a estação de trem, tomar o trem das nove que iria para o sertão mato-grossense. Eu e minha irmã mais nova, e a cadela titica o acompanhamos até a vendinha da esquina, pois teríamos que comprar querosene para as lamparinas.

O dia foi longo, pois havia mistério no ar, e minha imaginação de criança vagavam por tantas perguntas sem resposta. Mas no final dia, quando na igreja matriz anunciava a Ave Maria, ouvimos o apito do trem, que naquele dia chegou pontualmente para a nossa alegria.

O trem parou e desceram poucas pessoas, desceu um preto velho com os cabelos branquinhos, trazia na mão a bengala e na boca torta um velho cachimbo. Também desceu a loira Bileca de minissaia, com um homem estranho, bem mais velho. Quem era ninguém sabia, mas segundo a voz do povo, ela era rameira linguagem usada pelas beatas da cidade. E entre os passageiros que desceram do vagão de segunda classe, estava mamãe segurando cautelosamente uma caixa envolta nos papéis de presente. Sorria largamente que até dava para ver seu dente de ouro, numa época que era ter certo prestigio.

Pegamos a charrete do seu Agripino um preto velho encantador que estava o tempo todo sorrindo e apressadamente fomos para casa. No percurso encontramos um velho carroção puxado por bois, que ia deixando suave musica pelo caminho. As ruas ainda estavam enlameadas, da chuva que caiu a tarde e as rodas da velha charrete, deixava um belo rastro para trás. Ao chegar a casa o fogão à lenha já estava aceso, o feijão estava de molho numa bacia de plástico vermelha, a espera de ir ao lume. E Titica pulava eufórica, pois pressentia que havia alegria no ar.

Mamãe abriu a caixa delicadamente, pois queria salvar o papel do embrulho. Meu velho pai olhava a cena, e entre as baforadas do cachimbo, dizia frases em italiano. E o restante da família também estava ali presente e alguns moleques da vizinhança. Toda aldeia em pouco tempo veio, a saber, do acontecido.

Minha irmã que cursava o quarto ano, leu as instruções atentamente. E descobriu que a panela tinha muitas utilidades, e não servia apenas para cozer feijão. Mamãe pegou a panela de pressão, e untou a com sabão de pedra e cinza para evitar o pretume do lume.

O fogão parecia um altar, e a panela a oferenda que seria imolada naquele ritual tão esperado, cuja função era apenas cozinhar o feijão. Mamãe colocou os grãos delicadamente, fechou a tampa com precisão e colocou a panela nas labaredas vermelhas. Passado algum tempo, o pino vermelho da pressão começa a girar lentamente. Meu pai colocou mais lenha no fogão, e o pino gira velozmente e começa um assovio estridente, e o gato preto que dormia no fogão acordou assustado e saltou ao chão, miando sem cessar.

Depois de algum tempo o feijão estava cozido e todos ficaram felizes e admirados com a praticidade da panela. O tempo passou, o mundo evoluiu, mas nas funduras da memória, ainda trago as lembranças e a felicidade gerada por uma simples panela de pressão, numa época em que as pessoas eram mais importantes que as coisas terrenas. Onde o ser era mais importante que o ter. Era uma época em que a gente dividia tesouro, dividia tudo. E aquela humilde panela cozinhou feijão para muita gente, pois era patrimônio de todos.

Antonio Magnani
Enviado por Antonio Magnani em 14/02/2016
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