GESTO DE CARIDADE !       
 
                      (Pobre, quando vê esmola grande, desconfia!)
                        Dito popular
 
Era domingo e no alto do morro o vento frio corria solto.
Quase ninguém nas vielas tortuosas e o único “estabelecimento” com movimento era o do Serafim, logo notado pela fumaça que escapava da sua “cozinha”, onde aqueles salgadinhos malditos estavam borbulhando no óleo diesel.
Mesas cheias de fregueses que só não morrem das mais absurdas doenças porque têm anticorpos lamentavelmente ainda desconhecidos da química moderna.
Claro que o Altamiro ali está, exercendo a sua atividade mais apreciada; aparecer como erudito e pregar sua arenga socialista, que, só ele não quer reconhecer, já faliu há muito tempo.
- Roubalheira, agride ele, só existe porque esse capitalismo selvagem e escravagista sufocou tanto o povo que logo que este percebeu a possibilidade de meter também a mão no cofre, endoideceu e, infelizmente, extrapolou e chegamos ao patamar de hoje, onde todo mundo está arrancando seu naco.
Seus ouvintes, mais interessados pela boca-livre, mesmo sem entender bulhufas, ergueram seus copos e brindarem ao ilustre demagogo.
A cada brinde, o Serafim, alheio ao palavrório, sorria e abria nova garrafa de cana, cônscio de que, enquanto “seu” Altamiro falasse, o consumo estava garantido e a “cozinha” continuaria a todo o vapor.
Descendo a ladeira lá vem o coitado do Arlindo, envergando a eterna camiseta rubro-negra, bermuda pra lá de surrada e as mesmas sandálias havaianas.  Seus braços caídos juntam-se pelas mãos cobrindo a pélvis e os pelos de suas pernas estão eriçados como os de um porco- espinho. Vê a aglomeração no bar do Serafim e, danado de esperto que é, adivinha o resto e aproxima-se.
- Ô infeliz – brada Altamiro, já meio calibrado – chega aqui pra aproveitar o papo. Pensando bem, pulha, parece que você está com um frio danado.  Então, passa primeiro lá em casa e fala pra Edi – pra você dona Edileuza- e diz que eu mandei dar a você aquelas roupas que não uso mais.  Depois, volta aqui pra tomar uns gorós com a gente e parar de tremer. 
 Dito e feito!
- Dona Edileuza, o seu marido disse pra senhora me dá as rôpa que ele não usa mais, pruquê o frio tá brabo.
- Coitadinho de você Arlindo, entra logo que eu vô te dar uns agasalho muito bom e você num vai mais senti frio.
 Dito e feito!
Volta o Arlindo ao bar do Serafim, mas aí já envergando uma calça comprida, uma camisa de mangas longas, um suéter meio esgarçado e um par de tênis ainda em estado razoável. Já não vem com as mãos cruzadas sobre a pelve ... e exibe um sorriso feliz!  
- E, então, urubu, agora está melhor, não?
- Tá bão, seu Altamiro, dona Edileuza me agasalhou muito bem, como o sinhô pediu.
- Agora, por causa disso, vamos (hic) levantar um brinde à dona Edileuza,  minha (hic) amada esposa.
Desse brinde, até o Será participou, sem antes olhar desconfiadamente para o ”coitado” do Arlindo.
 
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(dedicado aos Altamiros da vida por fazerem, mesmo sem querer, alguma coisa boa.)
Imagem - Internet
 
paulo rego
Enviado por paulo rego em 14/02/2016
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