Pequena recordação

 
Lembra, companheiro meu, quando nós, sentados em algum boteco nas periferias da vida inventávamos um mordomo que vinha nos buscar em sua limusine para nos levar a jantar, para se poder tomar aquele vinho que amávamos mas que o nosso bolso não comportava? Nosso mordomo vinha, jantávamos os três e ele, claro, pagava a conta, depois nos levava pro nosso hotelzinho de quinta e em seguida ia para seu flat luxuosíssimo. Lembra? Ah, o tempo em que se brincava com as palavras e isso tinha saber e isso tinha sabor e a gente ria... ah, como a gente ria... de nós mesmos... de tudo... Lembras, tu que foste meu companheiro, tu te lembras, amigo meu? Que saudade daquele mordomo que nos contava de suas viagens a Europa em tempo que hoje nos parece idílico... Uma Europa ainda sem refugiados a naufragarem às centenas, sem crianças a chegarem mortas às praias...Nosso mordomo era de outro tempo... Nós éramos de outro tempo... Ainda sabíamos inventar mordomos... Ainda sabíamos nos inventar e reinventar a nós mesmos...