Saudade tem nome

Acordei lembrando do meu avô , meu lindo avô de cabelos alvos como a neve, com uma sabedoria ímpar, vinda do "alto". Que puxava nossa orelha sem que sentíssemos, tamanha a sua sapiência.

Vovô, um servo de Deus mais que especial, abrigava pessoas em sua casa, principalmente os "irmãos" nordestinos que fugiam da seca e chegavam em Altamira-Pará, onde o "Xinguzão" saudava a quem chegasse com as suas águas mornas.

Meu avô gostava de contar histórias, todas para nos fazer refletir , não tratava a ingratidão com a mesma moeda, pelo contrário , não deixava de fazer o bem a ninguém.

Era muito querido, amigo de todos da cidade. Respeitava todos os credos, pelo simples fato de saber que Respeito se deve dar para poder receber. Era apaixonada por minha avó Ester, prima amada, esposa fiel e companheira, que mesmo quando adoeceu do mal de alzheimer, ele permaneceu amando- a.

Dizia sempre assim: - quero partir antes de Ester, seria insuportável viver sem ela ao meu lado".

A saudade surge a qualquer momento. Um cheiro, uma música , uma frase, um filme, uma comida... Ela vem de forma a inundar a nossa alma . Surgiu em mim hoje ao decidir fazer um cuscuz mais elaborado, com leite de coco natural , como faziam o meu avô e minha avó, como faz ainda hoje minha mãe Beth. Nada de coco industrializado, bom mesmo é quebrar o fruto e processar. Seu Elias ralava cada pedaço do coco , minha mãe e eu batemos no liquidificador.

Na madrugada, quase clareando, meu avô levantava, escolhia as melhores espigas de milho e ralava em um ralo confecionado por ele. Um pedaço de flandre cheio de furos feitos um a um e pregado sobre uma madeira .

Acordávamos ao som do roccc... Rocccc...suave. Vovô fazia tudo sem pressa, era contemplativo..., homem de oração, creio que enquanto ralava os milhos, seu pensamento voava.

...roccc...roccc...

Acendia o fogo à lenha, colocava a panela com a água para ferver e só então chamava a minha avó Ester para cozinhar o cuscuz. Ela o cozinhava na tampa da panela.

Depois de feito, ela derramava o leite de coco por cima . E ia chamar a "netalhada" que queria dormir mais um pouco, mas que não resistia àquele "manjar dos deuses".

Depois que meus avós partiram para a eternidade a minha mãe e meu pai continuaram a fazer esse alimento da mesma maneira, mas cozinhando em fogão a gás . Com o passar do tempo, passou-se a usar o milho processado, a Milharina, meu pai já não ralava as espigas.

Hoje meu pai também já partiu, mas, o cuscuz da minha mãe Beth é o melhor, que o diga as minhas filhas , que quando comem o que eu faço falam: -mãe, não há cuscuz mais saboroso do que o da vó Beth.

Dou risada e vou treinando, porque também um dia falei essa mesma frase:- não há cuscuz melhor que o do vô Elias e da vó Ester.

Sei que um dia também ouvirei essas palavras dos meus netos.

Roccc...roccc!

É o meu vozinho ralando as espigas...

Rooc...rooc...

Ainda é cedo, avô, tenha pressa não!

Saudade tem nome: A minha chama-se família!!!!