Sombras

Não tenhas medo das sombras, criança! Não tenha. Houveram momentos no passado que me davam medo também, e eu as conheci. Houveram momentos que as desgracei, momentos que me interessei e o momento em que cedi. Houveram dias, tantas noites e incontáveis madrugadas que só elas puderam ouvir-me. Acompanhar-me. Ter-me. Brigamos, algumas vezes que eu as pedi pra ir, outras enquanto pedia-lhes pra ficar. Dividimos garrafas, tantas... Dividimos a calma. Dividimos a cama. Dividimos frascos, recordo-me. Dividimos estragos. Dividimos sussurros, dividimos gritos... Em determinado momento, dividimos as sombras. Tiveram noites em que minha força não era só minha, pra abrir os olhos, pra quebrar algo na parede. Eu sinto muito. Sinto muito por sentir tão pouco, mas elas viam. Elas viam que não era tão pouco assim. E então dividimos, desaforos, embriaguez, horas, minutos, segundos contados por nós, por ter aprendido quantas vezes eu posso cair em um segundo só. E caí. E levantei. Não tenhas medo! Tenhas medo só das tuas mãos. Qualquer objeto é mortal nas mãos de quem perde o controle. Eu sinto muito! Sinto por não ter fugido nem delas e nem de mim. Sinto por não ter fugido de mim, mas sinto somente pelos que um dia vão ter que fugir. E se tiver que fugir de mim, fuja. Não faças questão de explicar-me, sejas sombra. Sejas e esteja, caso já não queira, movas o vento e então não mais assombrará-me. Não garanto que eu faça o mesmo, mas já não digo que irei te acompanhar. Sou minha sombra, se desejares sentar aqui, não poderás me culpar de sentir menos o sol. Então, tenhas medo sim, mas de aprender a ser sombra.

Carmen Tina
Enviado por Carmen Tina em 22/02/2016
Código do texto: T5551554
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