Amor aos setenta anos

As relações, ou a busca por relações amorosas, em nossos tempos, têm obedecido a uma lógica do mercado neoliberal. Muitos pensadores da cultura nos alertam para isso. A ensaísta e crítica cultural, Camille Paglia não poupou palavras, nem contundência, para dizer que homens e mulheres estão se relacionando na mesma lógica da dos escritórios. Nesses espaços, predomina um caráter desumanizador do trabalho em que se perdeu a natureza colaborativa e a felicidade de grupo do período pré-industrial (TV Cultura, Roda Viva: https://www.youtube.com/watch?v=KlYR1isM2o8).

Assim, o mercado é diverso: o corpo mais esbelto, sucesso profissional e econômico, a melhor idade, os melhores gostos, as melhores negociações e, sucessivamente: o supostamente melhor. Não satisfeitos, descarta-se. Imperativos superegóicos de mercado! E como nos ensinou Freud, todo o mandato do supereu, só pode produzir paralização e frustração. Todos perdem; pois, afinal, quem não deseja o amor, mesmo que se procure de formas atrapalhadas?

Tão distante tal lógica está da lógica do amor. Platão já disse que amar é dar o que não se tem. Portanto, é uma disposição, não uma condição. Para alguns, constituída muito cedo; para outros, a ser construída. Assim, também, Barthes, em “Fragmentos amorosos”, revela que o amor é discurso. Discurso que faz marcas, como uma cicatriz, aquela mesma pela qual Ulisses pôde ser reconhecido por Penélope, quando retorna à sua casa, como um mendigo irreconhecível que suportou as experiências mais duras, as fadigas, a dor e a solidão.

Portanto, amor longe está de imperativos supergóicos. Diante disso, talvez a direção do amor possa estar em uma interrogação: Com quem você conseguirá estar conversando, prazerosamente, nos seus setenta anos?

Conversar implica uma intimidade de corpos. Uma certa “mística da natureza”, como referiu Paglia, um retorno ao primitivo, à visceralidade da vida para reencontrar a civilização. O amor como conversa é uma disposição ao Outro, é suportar as cicatrizes do que se produz como palavra; amor é uma conversa interminável, mesmo que necessite de pausas. Conversas presenciais; conversas imaginárias. Isso, aos setenta anos, só pode concernir à erótica da vida!