- Sua irmã é bundeira!

Aconteceu no tempo antigo. Esse causo era muito contado no sertão. E com respeito. Ninguém ria ou fazia piada quando se contava. Acontecera num tempo que a honra era lavada com sangue. Um tempo bruto, permeado de violência. Um tempo em que as pessoas não relevam uma onfensa à honra.

Contavam que certa feita dos desafetos se econtraram na praça de uma cidadezinha, cada um deles pertencente a dois clãs de famílias inimigas. Ambos estavam armados, um, o mais franzino mas conhecido como violento e valente, estava com um revólver na cintura, o outro, não menos violento mas mais corpulento, estava com uma faca peixeira também na cinta. Começaram a discutir e a esculhambar um com o outro, e foram aumentando o tom, aí o mais franzino radicalizou e ofendeu o seafeto no que ele tinha de mais precioso: a honra. Disse em alto e bom som para todo mundo ouvir: - A sua irmã é uma bundeira! O insultado como um raio bateu mão à peixeira e enterrou-a até o cabo no peito do adversário, nao deu tempo que ele se defendesse. Ficou no chão morto em meio a auma poça de sangue.

O agora assassino nçao fugiu, foi direto para a delegacia e se entregou. A família da vítima quis logo se vingar, mas as cercanias da delegacia estavam tomadas por elementos da família do assassino. Não conseguiriam, haveria uma guerra. O pai da vítima e chefe do clã então resolveu que por enquanto iam deixar a justiça cuidar do caso, primeiro iam enterrar o filho, depois veriam o que a justiça iria fazer.

Veio até destacamento de fora para levar o preso para a cadeia de outra cidade. O promotor era do partido do pai da vítima, o juiz também, igualmente o delegado, o padre, o coletor e o escambau, eram o governo na cidedezinha, mas o outro lado também era forte e possuia cabras e dinheiro. O pai da vítima apesar de amigo do promotor sabia das suas limitações e então contratou um jovem advogado da capital, diziam que era pavio curto, atrevido, brigão e inflamado, o cão chupando manga, e fora amigo da vítima num colégio da capital. O pai do assassino por conselho de oposicionistas da capital contratou um velho advogado, quase aposentado, conhecido por sua oratória e verve, competente mas que bebia muito, mas era disposto.

Chegou, enfim, o dia do juri, realizado no prédio da câmara de vereadores. Completamente lotado. Um silêncio de arrepiar, não havia nem cochicho. O assassino sentou-se entre dois soldados, o juiz num birô no centro, duas bancadas para a defesa e acusação, tudo nos trinques. O promotor fez apenas o feijçao com arroz pedindo pena máxima. Mas o advogado da acusação foi fundo, fez teatro com a peixeira nas mãos, chamando o reu de assassino covarde e que matou um jovem com perversidade e por motivo fútil, uma simples boutade dita pela vítima, aliás, algo que era públicoe nótório. Foi nesse momento que famailiares do réui se coçaram, mas se acalmaram. Então chegou a vez do advogado de defesa. O velho advogado que ouvira o advogado que enquanto o advogado de defesa falava lia umjornal,estava de ressaca, dobrou o jornal bem dobrado, tomou dois copos d'água molhando a caixa dos peitos e a toga preta e lentamente saiu da sua tribuna andando devagar até chegar bem pertinho do advogado de defesa, saudou o juiz, o promotor e o conselho de sentença e aí começou: - Ouvi atentamente o advogado de defesa ofender o reu e sua fampília, ele é conhecido por essa técnica perversa e covarde - olhando bem na cara do advogado -, mas isso é para esconder sua revolta com sua vida pessoal, é para desabafar as suas mágoas por ser marido da bundeira mas famosa da capital. Sim, a esposa do advogado é bundeira! O advogado de defesa indignado avançou para o velho advogado feito uma fera, mas foi contido pelos soldados. Acalmados sos ânimos, o juiz ia chamar à atenção do velho advogado, mas esse fez sinal com a mão e o juiz parou. O velho então, rindo, dise: - Peço desculpas aoilustre advogado, o que eu disse é mentira, a esposa dele é uma mulher pintegra, uma dama da sociedade, alguém que merece todo o meu respeito. Eu apenas demonstrei a ele e aos jurados que qualquer pessoa ao ser agredida na sua honra é capaz de comerr uma violência. Pegou a peixeira e afirmou: Se o ilustre advogado da defesa tivesse com essa peixerira nas mãosteria enterrado no meu peito. Fez um discurso magnífico. No final até o advogado de defesa parabenizou-o. Mas o réu foi condenado a quatro anos de prisão. Não tirou todoe foi embora para São Paulo. Lá foi assassinado, um crime que nunca foi elucidado. Era no tempo que honra se lavava com sangue. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 27/02/2016
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