A idosa no ponto de ônibus

Sentou-se ao meu lado no banco do ponto de ônibus, com sacolas pesadas. Me disse que seria melhor esperar o ônibus para chegar em casa. Idosos não pagam passe. Fazia um calor ofegante durante a tarde de hoje. Ela desceu dois pontos seguidos de onde estávamos. Conversando comigo sobre idade, falou que não gosta de ficar parada, que já não tem a mesma disposição de sua juventude. Para ela, a felicidade tomara forma na sua mocidade, quando o trabalho era um hobbie incansável; sabendo -- e podendo -- unir a atividade externa com a caseira. A mesma trabalhou com construção civil e agora roça a grama de seu terreno que equivale a três lotes. Ela tem a aparência de uma mulher comum, sem muita vaidade, o que lhe é conveniente; uma idosa-jovem. Sozinha, confessou, ela não consegue fazer tudo o que precisa fazer. "Conseguir eu até consigo, mas no outro dia eu acordo quebrada." Não é ociosa sequer no olhar -- cogitei ligeiramente. Uma pessoa distraída olha para tudo o que lhe chama a atenção. Ela apenas olhava para si mesma. Perdida em seu raciocínio; mas não pareciam ser desorganizados e aleatórios. Eu não esperava... "Eu sempre digo: cuidem de seus pais, valorize-os, porque depois eles farão muita falta. São a nossa raíz. Sempre voltamos para eles quando precisamos de alguém. Eu cuidei da minha mãe até o último dia!". Desfrutava, logo a sua frente, a ouvinte, de uma senhora que tinha o que dizer. Já estava eu sentada entre o banco; ela, de frente para a rua. "Por isso eu espero que os meus filhos cuidem de mim, um dia, se eu levar sorte." Na medida em que eu comentava algo, soava como se os meus dizeres nada fossem relevantes no momento; os dela, sim, pois o momento era seu. Eu poderia me expressar com a melhor oratória e mesmo assim eu seria apenas coadjuvante. "Os idosos são ranzinzas e mal-humorados você sabe por quê? Porque eles sabem que não podem mais fazer o que querem e que dependem dos outros. Eles ficam irritados com isso. Mas eu nunca tive problema com a minha mãe, ela era muito querida. Quando eu queria apressar para conseguir 'dar conta de tudo', ela dizia 'calma, filha, calma', com a mão no meu ombro." Ela proferia firmemente.

Eu: -- A maioria das pessoas não tem paciência...

"É muito difícil, você tem que ter paciência redobrada, porque os idosos voltam a ser crianças, perguntam a mesma coisa várias vezes. Eles têm um mundinho próprio. Quando a minha paciência estava no limite, eu saía de casa, ia até a varanda e respirava fundo. Depois voltava".

Kelly Leite
Enviado por Kelly Leite em 27/02/2016
Reeditado em 25/04/2016
Código do texto: T5557411
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