Desejo

Pensando na vida que eu quero daqui pra frente – se eu pudesse simplesmente escolhê-la entre uma gama de outras como uma mulher seleciona legumes no mercado...

Eu procuro estabelecer o que eu quero e o que não quero.

Meu objetivo principal é morrer criança. Ir do jeito que vim.

Crianças são estrangeiras onde quer que nasçam: tudo ali para elas e nelas é novidade. A surpresa mora no olhar, no toque, no cheiro e no gosto das coisas.

São sensíveis, enlouquecem com tudo. Eu queria ser assim mesmo: ficar boba diante das coisas, tentar desvendá-las e desafiá-las – e fazer tudo isso comigo mesma também. Quero perceber profundamente quem eu sou. Quem eu procuro ser. O que diabos vim fazer aqui. Adaptar-me a cada lugar, descobrir em mim uma porção de outras pessoas.

Ao entrar em contato com o máximo de experiências e tralhas surpreendentes, eu percebo que nada sei da vida – e claro, nunca vou saber. Vou perceber que nunca vou estar completamente certa ou completamente errada, que nunca vou sacar a vida. Se pensarmos, a incerteza é a coisa mais sedutora de todas: é o que faz as pessoas pularem de uma ponte num bungee jumping ou transarem com um estranho numa balada. Não sabem se o equipamento de segurança pode falhar ou se podem ser pegos.

Isso faz que a gente desconfie do dia-a-dia: nunca vai ser a mesma coisa. Quebra a rotina. Nos desperta de qualquer tédio.

Para fazer isso, vou ter que nadar contra a corrente. Não vou combinar com a maioria das pessoas.

Acontece que eu não quero fazer par com aqueles casais que só se divertem em formaturas e cujo interesse um no outro é a facilidade de se suportarem. Não quero.

Não quero que meu horário seja ditado pela hora que a novela começa.

Não quero ser uma daquelas mães que pensam que criar um filho é sustenta-lo.

Não quero ler apenas best-sellers listados na Veja, assistir só filmes que passam no cinema, me divertir apenas em shoppings, ouvir apenas o que toca do rádio. Não quero me adaptar com o comum. Com o que é esperado de mim – geralmente, as pessoas esperam o pior.

Não quero repetir duzentas vezes a mesma frase: ‘’Ah, nem eu sei direito porque fiz isso. Só sei que fiz. Todo mundo faz. ’’

Não quero ser daquelas pessoas que apenas detectam o problema e reclamam sobre ele. ‘’Isso uma merda!’’, dizem elas. Mas continuam agarradas a ele, passeando por uma vida toda com o que seria resolvido apenas sendo jogado fora.

Por fim, não quero rotina de animal enjaulado. Não quero ser o que esperem que eu seja. Não quero o óbvio. Não quero o tédio. Não quero todos os dias deitar na mesma cama com o mesmo orgulho preenchido de arrependimentos, com os mesmos medos, com as mesmas certezas vagas, sendo que única coisa que me mantém ali é o fato de que eu aceitei. Resignei-me a uma vida sem reflexão. A uma vida fugindo dos erros sem saber que são eles que me fazem crescer.

Só não poder escolher a vida ideal já dá um gostinho de inesperado.