Estação comercial chamada verão brasileiro

É janeiro! Eu adoro o verão brasileiro! Mas ele ficou mais quente graças ao chamado efeito estufa, bastante piorado nestas primeiras semanas de 1998. Também, de forma traumática para os menos favorecidos – habitantes de favelas em sua maioria, o El niño tem trazido esporadicamente violentas chuvas e fortíssimos ventos ao país da Tropicália, cujo clima está mais tropical agora do que nunca fora antes!

Vejo que, no extenso litoral do Brasil, as praias estão repletas de gente de todos os estratos sociais, provenientes dos quatro cantos do planeta, numa confraternização entre nativos e estrangeiros, ambos atraídos pelas belezas naturais e monumentais desta terra, numa singular comunicação sem fronteira linguística alguma, expressada nos muitos goles de água-de-coco e de cerveja geladas, nos muitos copos de caipirinha e de caipiríssima de exóticas receitas, ingeridas com avidez, numa persistente tentativa de matar a sede incessante, oriunda da quentura e do mormaço ambientais, frutos da radiação solar intensa que ora atinge a superfície de nosso território, de forma agressiva e danosa à saúde humana. Também, a gula está despertada cá, estimulada pelo aroma delicioso de nossa comida em pratos de frutos do mar e de outras tantas iguarias tupiniquins, matando uma fome pecadora e “sadiamente” canina daqueles comensais insaciáveis.

Descompromissada, livre, liberada, em férias escolares ou da atividade laboral, vejo gente a zanzar nos points badalados. Para muitos trabalhadores, entanto, talvez com certa manifestação de inveja, decorrente de meros seres ociosos, apresentando-se numa extensão temporal do “fazer nada” a que estão acostumados, o que lamentavelmente percebo se repetir agora com maior intensidade...

Observo que pessoas invadem as praias nas cidades mais populosas, num ritual de procura de um específico tipo de lazer, que incorpora areia, água salgada, sol, poluição e lixo urbanos inteiramente de graça, com todos os seus decorrentes malefícios. Por outro lado, em nossas ensolaradas praias, alegro-me com beldades a mostrar seus corpos sob pouquíssima roupa sem nada me cobrarem por isso! Divirto-me com os turistas atônitos e pecadores nos olhos, veranistas menos acostumados a ter o nosso deslumbrante visual (bem estimulante da função sexual humana!), ao encherem os olhos de desejos proibidos.

Sinto mesmo que vivemos um apelo sazonal da mídia ampla e forte quanto ao uso de produtos para o cultivo e a melhoria da estética corporal, incluindo-se aí bronzeadores e protetores solares que favorecem a cromaticidade almejada para a pele por toda essa gente em férias.

Feromônios no ar das academias de ginástica equipadas e lucrativas ardem em minhas narinas. Mais acentuadamente naquelas em que se pratica a aeróbica, buscando-se violentamente o aprimoramento das linhas definidoras dos corpos, geralmente frequentadas por jovens adolescentes ou de pouca idade, com o fim de modelar (para realçar) partes de seus corpos, de sorte que possam adquirir a forma corporal em moda, sem preocupação alguma com o conteúdo cerebral latente ou minguante que normalmente manifestam, numa atitude explícita de prática narcisista, que a nossa modernidade tem imposto de forma errada, indubitavelmente, às suas vidas. Tudo isso me deixa muito triste e preocupado com o futuro de nossos jovens, não mais cultivadores de valores ricos de nossa cultura a sucumbir diante dos apelos para cultuar o corpo, unicamente!

Encho a boca d’água ao verificar que sucos de frutas ajudam a hidratar os tomadores de sol e a legião de atletas sazonais do nosso ‘verãozão’ tórrido, que estão constantemente em desidratação e, diretamente influenciados pelas benesses alardeadas em maciça propaganda via sistema televisivo local, o qual costumeiramente bombardeia com intensidade tais ouvidos menos seletivos, passam a acreditar na ingestão acentuada de vitaminas e de sais minerais – que para nossa gente são substâncias milagrosas, milagreiras ou ‘milagrentas’ que parecem lhes servir para todo tipo de problema e, por conseguinte, são responsáveis por deixar lucros generosos para “vivaldinos” que exploram esse negócio. E bem sei que a inescrupulosidade explode no comércio tupiniquim com muita frequência.

Não posso fazer coisa alguma ao me deparar com lojas em shopping centers ao nelas encontrar roupas leves (e caríssimas!). Mas mantenho-me longe e afastado e só as olho de relance – óbvio! Lojistas pregam que visam permitir uma melhor transpiração às pessoas, deixando-as ainda mais despojadas, ao tempo que se identificam pelo modismo vigente das cores fortes e chocantes, cuidadosamente escolhidas e impostas pela indústria de confecções para a temporada atual, contribuindo com a determinação nítida daquele ramo industrial por querer obter resultados comerciais bastante vantajosos.

Leio nos jornais e revistas o acoplamento da estação e os inúmeros eventos de teatro, de música e de cinema, os quais foram estrategicamente planejados pelo competente e dedicado empresariado. Assusto-me com a objetividade dos espetáculos devidamente programados para revelação ao público pela mídia extremamente comercial, a qual sempre atrai as pessoas em férias e, em especial, procura encantar os turistas em “descanso” dinâmico e agitado pelo nosso país, em desesperada procura por novidades daqui, gastando, pois, economias e prêmios de férias ganhos sobre um ano de trabalho há poucos meses findado.

Verão, doce verão! Sim, passa o filme em minha lembrança. Com nitidez vejo que a cada ano ele se repete com uma nova cara para atrair e surpreender multidões para a sua curtição desvairada, o que sempre acaba por movimentar uma economia de milhões de dólares, fato que certamente a mais nobre Ciência da Geografia jamais previra para a estação brasileira de férias, mas que se tornou um negócio atrativo tão-somente para aqueles que detêm o poder econômico na Terra Brasilis!

Salvador, 10/01/1998.

Oswaldo Francisco Martins
Enviado por Oswaldo Francisco Martins em 07/03/2016
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