MATEI A DANADA!

Preparava-me para dormir quando um pequeno (muito pequeno) movimento no cantinho do guarda-roupa me chamou a atenção. Como moramos numa área onde os moradores adoram guardar entulho, volta e meia aparecem uns bichinhos em casa para tirar o meu sossego.

Agachei e tentei identificar o que era aquilo. Tirei os óculos para enxergar melhor (louco, não?), mas não consegui. Pensei que pudesse ser uma barata cascuda. E, enquanto eu pensava, como se percebesse minha ação investigativa, o corpinho estranho se moveu para detrás do móvel. E agora? Disse aos meus botões. E se for o que estou pensando?

O jeito foi afastar o móvel da parede para ver que bicho era aquele. Do contrário eu não dormiria. Que falta faz um homem nessa casa, meu Deus! Devaneei, mas logo fui despertada pela minha consciência marrenta: “Celça, ei, pode parar!”. Entendi que devia enfrentar meu medo, diante de qualquer inseto que fosse.

- Gaby, uma lanterna!

E minha filha me trouxe o celular, com o flash ligado. Achei uma falta de absurdo ter três aparelhos em casa e nenhum possuir lanterna. Fiquei entre os dois armários, num espaço bem complicado para a caça. Ao iluminar o lugar, avistei a nojenta, preta e peluda.

Tradicionalmente, pelo menos na minha família, as armas contra as caranguejeiras são álcool e fósforo. Elas são queimadas, sim, como as bruxas o eram antigamente. Mas eu não tinha álcool em casa, e fósforo eu devia ter dois palitos. Lembrei-me de uma amiga ter dito que a acetona substitui o álcool perfeitamente, mas pelo número limitado de palitos, eu teria apenas duas chances para acertar a minha hóspede indesejada. E, considerando a carreira dela quando sente o álcool nas costas, eu não conseguiria nada além de gastar meu removedor de esmalte.

Então segui agachada, com o olhar fixo nela.

- Trás a vassoura do banheiro, Gaby!

No fundo eu sabia que seria incapaz de tocar naquela criaturinha, mesmo com a vassoura. Tinha pavor só de pensar. E tem mais: a aranha solta pelos, então tocar nela, seja com o que for, é perigoso.

Armei-me com a vassoura. E agachada eu pensava em como agir: se espantasse a aranha, ela se enfiaria debaixo do guarda-roupa, assustada, coitada, fugindo de mim, infinitamente maior que ela.

Água sanitária! Lembrei. Talvez isso causasse algum desconforto nela, uma tontura, quem sabe, o que facilitaria minha atuação criminosa. Também não joguei o líquido químico.

Gaby teve uma ideia.

- E se a mãe jogasse um pano de chão molhado nela, como faz com as rãs?

- Pois molhe aí um pano e me traz aqui!

Com muito esforço afastei um pouco mais o guarda-roupa. Minha cúmplice me trouxe um pano pingando, dizendo que assim estaria mais pesado, o que imobilizaria a caranguejeira.

Eu precisava ter uma boa mira para acertar o alvo, pois se eu errasse a praga fugiria do susto. Lancei o pano, mas não dava para ver se a aranha estava debaixo. E eu morrendo de medo de afastá-lo. Tomei coragem e lancei um jato de água sanitária sobre o pano, na expectativa de que ela se sentisse incomodada e se movesse. Nada.

Levantando com um rodo uma parte do pano para confirmar se o inseto estava lá, acabei ajudando-o na fuga. Escapou, alcançando o canto da parede, ainda detrás do guarda-roupa.

- Gaby, a água sanitária de novo, rápido!

Após outro jato a aranha andou velozmente, surgindo diante dos meus olhos pela lateral do móvel. Ah, meu Deus, o que eu faço agora? Acompanhei a carreirinha dela, deslizando na parede. Quando parou, atirei nela outra vez o pano de chão. Agora, sim, eu tinha esperança de tê-la imóvel.

Peguei o rodo e bati, bati, bati... sem nenhuma certeza. Podia estar pilando um pano molhado e só. Senti-me tão perversa! Mas agia em legítima defesa. E pense num calor grande! Eu estava exausta.

Levantei o pano e, pelas patinhas no chão, separadas do corpinho judiado, comemorei: consegui! Perdoem-me os defensores desses animais pequeninos, como as aranhas, mas eu não podia pedir pra que ela fugisse, livrando-a da morte, como o caçador fez com a Branca de Neve.

Após um banho, deitei com aquele receio de que pudesse aparecer outra. E somado a isso, o cheiro insuportável de água sanitária no meu quarto, dificultou a chegada do sono. Eta luta grande! E pensar que foi só mais uma...

Maria Celça
Enviado por Maria Celça em 09/03/2016
Reeditado em 09/03/2016
Código do texto: T5568527
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