Coração de Palhaço

O palhaço não é uma figura pragmática, mas é legendária, encantadora. Em todos os tempos representou a alegria, a animação. Tendo alguma coisa de, mas não é espantalho porque é carismático, sabe atrair, sabe dominar a plateia.

Seus nomes são tantos e variados que daria uma mini enciclopédia: Patatí e Patatá, Fred e Carequinha, Bozo, Piolino, Torresmo, Mocotó, Chamego, Arrelia, Tiririca (casca de pau miolo de picolé), Telecoteco, Cascudo, Catapora...

No circo ou no teatro ninguém lhe rouba a sena, ninguém é mais esperado e festejado... Sendo espalhafatoso não é ridículo, sendo humilde não deixa de ser inteligente. Quando o Partiner (escada) erra o tempo ele improvisa com mestria. Sendo criatura, cria e o espetáculo não perde o ritmo, ao contrário do que acontecia no Império Romano, o palhaço não é o bobo da corte. Via de regra o palhaço é infalível. É exatamente nesse ponto em que reside a incógnita algébrica.

Muita gente pensa que por ser um personagem teatral o palhaço não tem alma e tem. Que não tem coração e tem. Que suas emoções são falácias, não são. Que sua vida é um parque de diversões, não é. O palhaço não se enquadra em nada no amórfico sistema que a tudo para. Por vezes é um solitário, mesmo cercado de gente. Se tirar as tintas do rosto fica ainda mais abandonado, perdido. Lembro-me do caso em que o palhaço enterrou a filha pela manhã e fez o espetáculo à noite... A ninguém interessava suas dores e suas angústias, suas desgraças de pai órfão. É o palhaço insubstituível, não pode faltar nem que o mundo acabe. Nada mais trágico que um palhaço viúvo, viúvo de esperanças, de plateias, de ânimos. Quando tudo silencia à noite, começa-lhe os tormentos. Não parece, mas palhaço tem dor de dentes, dor de barriga, enxaquecas, dor de cotovelos, dúvidas e dívidas.

Vi o enterro do Palhaço Pirulito. Sem dúvidas, se houve alegria no céu não correspondeu metade da tristeza causada na terra. Marcado por um sepulcral silêncio num local cercado de sepulcros silenciosos. Um silêncio ensurdecedor calava todas as lágrimas e para piorar, se era possível piorar alguma coisa, um clarim chorou suas mais tristes notas quando o caixão desceu... Uma cena inolvidável!

Palhaço ama, se apaixona e por amor sofre como qualquer outro mortal e em alguns casos até mais. Chora copiosamente às escondidas e quase sempre esconde suas tristezas por detrás das tintas, canta, mas nem sempre é de alegria, abre sorrisos e nem sempre é de felicidade e como já disse Félix Pacheco, um dos poetas de minha terra:

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Vinham do oceano d’alma, imenso e fundo,

De espumas as ondas salpicando o flanco,

Numa fremência amargurada e louca.

Nos olhos hoje as lágrimas estanco...

Rolam, porém, sem que as veja o mundo

Sob forma de risos pela boca.

Teresina, 20/ 05/ 1985

Um Piauiense Armengador de Versos
Enviado por Um Piauiense Armengador de Versos em 19/03/2016
Reeditado em 19/12/2018
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