Notas de um Insone - Parte II.

Insônia. Coisa triste é insônia.

Ela te pega num ponto fraco às quatro e dezenove da manhã. Faz-te acordar com os olhos esbugalhados de quem ainda esta vivo.

Bate o desespero na madrugada e parece que todos os tic tacs dos relógios do mundo, mesmo os imaginários, batem simultaneamente e, junto da escuridão e da solidão do quarto, você acha que está ficando louco. Talvez esteja, talvez não.

Daí você acende a luz, encontra um ou dois, tenta desliga-los e nada, tenta tirar-lhes as pilhas e nada (parecem que têm vida própria), um coração de relógio que bate sem porque marcando o tempo que lhe resta para viver. Você os esconde nas gavetas e nada. Debaixo da cama, no guarda roupa, e nada. Por fim os atira pela janela do décimo nono andar, ouve um silêncio por dois segundos e eles incrivelmente voltam a bater. Batem dentro da sua cabeça.

Então você se lembra do "Coração Denunciador", de Poe, da sua antiga e boa professora de inglês, da filha distante quatrocentos e noventa quilômetros e sua inquietante saudade, lá na outra ponta do estado, do estado decadente das coisas da vida, da guerra do Vietna, da grave crise nacional atual, das discussões bestas ao telefone, da inutilidade das redes sociais, da simplicidade dos velhos homens do campo, dos sofridos personagens de Dostoievski, dos cães famintos de rua, que latem para os traficantes do outro lado da avenida Atlântica, da vendedora de caldos, cujo filho morreu de overdose aos dezesseis anos de idade e que o marido fugiu com outra, de processos inacabados, da banalidade da vida e do tempo segundo Bertrand Russell... Só então você volta a dormir..., um sono cheio de pesadelos delirantes.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 20/03/2016
Código do texto: T5579123
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