A AMIZADE

"A amizade conduz sua dança pelo mundo inteiro,
convidando todos nós a despertar para a celebração da felicidade. "
(Epicuro)
Nessa modesta crônica vou abordar um tema que a muito gostaria de falar. É sobre a amizade. A palavra vem do latim amicus e remete ao amor ao outro, amor não no sentido sexual ou romântico. A amizade tem um quê de altruísmo, conhecimento das deficiências e fragilidades do outro e a sua aceitação. A amizade implica em fidelidade mútua e, sobretudo afeição. Não exige esforço já que há certa afinidade eletiva entre amigos. A amizade é fundamental para a sobrevivência dos homens, redes de amizades é uma rede de proteção e de trocas afetivas necessárias ao bem estar e proteção dos indivíduos.   Epicuro (342-271 a.C) um dos filósofos gregos mais atuais afirmava que “Toda amizade  deve ser buscada por si mesma, mas origina-se dos seus benefícios.” Por isso se diz que amizade é uma troca desinteressada de afetos e afeições.    

 Falar sobre esse tema tão singelo nos dias de hoje é algo que soa meio que ultrapassado. Entretanto, a despeito de estarmos tão integrados em redes a "amigos virtuais" nos vemos na maioria das vezes só e sem saber o que fazer com a solidão e aí para os sem refinamento de espírito vem o vazio e o tédio de estar só  coisa muito perigosa para nós viventes nesse nosso mundo de simulacros e de extremo vazio existencial.   Epicuro diz que a amizade é o maior bem que uma pessoa pode ter na vida: “De tudo que a sabedoria nos proporciona para a felicidade de toda nossa vida, de longe o mais importante é a amizade."  Mas hoje o que temos são “conhecidos” e amizades descartáveis, se não aceitamos o outro como gostaríamos que ele fosse, ou se a “amizade” já não é útil "saímos fora" e buscamos outros “amigos”. Hoje não  há esforço pela aceitação e compreensão do outro, buscamos no outro aquilo que não somos, há certa intolerância.    Muitos até se vangloriam de ter centenas e até milhares de "amigos" em redes sociais e formar grupos no Whatsapp, ainda assim amigos no sentido clássico da palavra é raridade. A  despeito de tanta integração em rede os seres humanos estão cada vez mais solitários.  Um aluno me disse certa vez  que se esforça para manter amizades conquistada ao longo dos anos. Diz que conhece muitas pessoas, mas poucas das centenas ou talvez milhares que conhece não  são amigos, mas "conhecidos". Ele ressalta  que "amigo é uma coisa mais profunda, exige afinidade, provas de fidelidade de compreensão mútua e até de carinho e proteção".

Outro dia o filósofo Zygmunt Bauman numa entrevista falou a respeito do tema se referindo as amizades na atualidade, nesse mundo onde tudo é fluido e liquefeito, ele  relata que jovens se gabam de ter feito cem amigos num único dia via rede social. Bauman achou  graça nisso e disse  que ficou espantado porque ao longo de seus mais de oitenta anos contava nos dedos aqueles que poderia considerar amigos. Hoje as "amizades" são descartadas em nome das conveniências. Se aquele que julgo amigo não "serve mais" diz um jovem conhecido, vou para outro e assim sucessivamente, como, aliás, é com os envolvimentos afetivos amorosos, hoje se diz "ficar" que é algo transitório, fortuito, sem compromissos, não há mais o velho  “namoro” que requer certo compromisso com o outro, um aluno gaiato me disse, "namoro, o que é isso?". Uma vizinha adolescente me disse “Mas o pior é que de tanto mudar de grupo e de amizades hoje já não tenho amigo nenhum e nem grupos" outra aluna  me diz, "enchi o saco de todo mundo e nem sei qual o sentido dessa busca". Diz-se que nem todo irmão é um amigo, mas todo amigo é um irmão. Outro dia estava conversando com um novo amigo (quer dizer nem tão novo assim). Uma português colega de doutorado me disse da última vez que nos vimos em Lisboa,  no ano passado,  que apesar dele morar ali e viajar muito a única amizade nos últimos tempos que fez foi comigo. Fiquei muito engrandecido e disse-lhe também que por coincidência ele também havia sido a única amizade realizada  nos últimos cinco anos e mesmo eu tendo conhecido muitos outros colegas na Europa,   foi com ele que  travei o contato mais decisivo e permanente. Ele me disse que amizade é “mercadoria escassa”. Disse-lhe que pela minha atividade, professor há mais de 20 anos,  também conhecia muitas pessoas, mas amizades verdadeiras, realmente são difíceis mesmo no Brasil onde as pessoas são mais “soltas” nos seus relacionamentos.   Outra aluna me falou " geralmente gosto de dar provas de amizade sincera quando tenho pessoas que julgo serem amigos, sou prestativa, solidária, ou seja, gosto de dar tudo de mim em nome da amizade, mas a amizade é troca, troca de carinho, de afetos, de respeito e de tolerância, afinal não existe amigo perfeito, mas um amigo não deve desprezar o outro somente porque ele já não o serve, só é amigo na hora que precisa, ou seja, o amigo não pode ter apenas valor de uso”.  Outro conhecido me disse " hoje as ditas amizades é apenas oportunismo, muitos se aproximam apenas para se aproveitarem de algo que você poder oferecer, claro, que amizade é troca, mas de maneira proporcional e mútua. Duvido que uma pessoa se precisar  de mim seja ela um amigo ou conhecido do qual tenha simpatia eu me negue a ser cortês".  O que fica desses relatos é aquilo que bem definiu o meu amigo português:  amizade é realmente uma mercadoria escassa. 

Epicuro em suas máximas alertava :   “Não age como amigo nem quem em toda ocasião procura tirar proveito, nem quem nunca entra em contato, aquele negocia a retribuição de seus favores; este se priva de boa expectativa para o futuro" ; ou  " Não é tão útil o que de útil nos proporcionam os amigos quanto à confiança de que poderão nos ser úteis".  O filósofo  nos adverte sobre o cultivo da amizade: “ Exerçamos nossa simpatia para com os amigos não no luto, mas na solicitude.”
Quem se propõe hoje a ser gentil com o próximo e ainda mais com o mais próximo dos próximos, o amigo?

 
Labareda
Enviado por Labareda em 25/03/2016
Reeditado em 16/10/2019
Código do texto: T5584231
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