Tem um tipo de gente que precisa de coração

Aqui e acolá, acordo como se não estivesse dormindo:

sem sono, sem preguiça, nem bocejo.

E além, como se não fosse gente:

sem coragem, sem desejo, nem vontade.

Abro os olhos e eis-me o mundo me segurando um dia nas mãos.

Um dia bem acolá foi sábado:

acordei assim, vazia de vontades, de preguiças, de tudo.

Mas, mesmo ausente, fiz o que sempre faço:

tomei café (sem sentir gosto),

armei minha rede (sem esforço),

e, sem pensamentos, li, li, e li.

De nada adiantou, foi como se não tivesse lido linha alguma.

Estava eu sem raciocínio.

De repente me veio uma ponta de inspiração:

me achar, me catar, seja lá aonde fosse, eu precisava me encontrar.

Entrei no carro e, concentrando-me em cada parte do corpo, fui me ajuntando:

as pernas, coloquei-as na embreagem e no acelerador junto com os pés;

os braços, na direção junto com as mãos;

o resto, sentei-o no banco;

a cabeça, deixei-a segurando os olhos.

Corpo ajuntado, parti pra caça do que interessava.

Pela cidade, fui cruzando com meus pedaços, apanhando uns ali e aqui:

a saudade eu encontrei na avenida da Universidade;

da dor, eu desviei;

no desvio, encontrei o desconhecido, entrei numa rua charmosa pela qual nunca tinha passeado antes;

as amizades, eu as achei ao redor de um cerveja, no nosso bar.

As alegrias tocavam no rádio.

De uma ponta a outra da cidade, achei um monte de coisas, e fui me remontando.

Voltei até a sentir o vento.

Faltava só eu apanhar meu coração.

Pensei até ele estar se escondendo de mim, mas não:

uma das alegrias que tocou no rádio me lembrou que ele estava lá no dia 12 de agosto.

Longe que só, mas quase toda achada, eu peguei foi na mão do dia e fui até lá, pras bandas onde o coração perambulava.

Aí, eu nunca mais voltei.

Cristina Carneiro
Enviado por Cristina Carneiro em 02/10/2005
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