Um lugar chamado Comum

Comum, mas tão comum que ninguém conhece o lugar. Não procure no mapa, não vai encontrar, mas sessenta e oito anos atrás eu estava lá. Era uma cidadezinha chamada Comum. Uma rua só, terminando numa igreja. O morador mais importante do lugar era o ferreiro, homem de grande habilidade na transformação de pedaços de trilhos nas mais variadas peças: Foices, machados, facões, enxadas, dobradiças, armadores de redes ... e a lista vai longe.

Eu era uma criança de cidade grande, 12 anos e havia ido passar uns tempos na casa de meu velho pai, como castigo por alguma travessura cometida na casa de uma tia, que me tomara para criar depois que meu pai ficara viúvo. A vida era dura. Tinha que pegar água pra beber (longe), e encontrar lenha na mata para cozinhar. A água era barrenta e salobra, de tanta argila não era transparente e sim leitosa, e o feijão era cozinhado puro, tendo por tempero apenas o sal.

Tinha uma roupa só e a lavava quando ia com os cavalos (do ferreiro, claro) pra lavar e tomava banho de rio. Apesar disso, guardo mais na lembrança os momentos alegres e felizes que passei naqueles dois anos. Num lugar onde quase todos eram analfabetos eu, com o curso primário, gozava a fama de saber mais que a professora. Diziam: -“O filho de seu Nico é quase doutor.” E me davam problemas matemáticos pra resolver. Aprendi a montar, fui ajudante do ferreiro por algum tempo (sem ganhar nada). Aprendi muita coisa com ele. Destes dias difíceis guardo as melhores lembranças de minha infância.

Jota Garcia
Enviado por Jota Garcia em 01/04/2016
Reeditado em 22/11/2018
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