PENSANDO NO ‘NÓS’ E BEM MENOS NO ‘EU’.

Uma simples ida à quitanda e observando o movimento maior do que o de costume ia selecionando as mercadorias, sem pressa, sem atropelo. Até porque estava mais atenta para não machucar quem estava como eu fazendo compras. Preocupava-me por não ter muita opção. Além dos preços altos a qualidade não era lá essas coisas. Como fazer o salário espichar quando todos os dias a inflação com sua bocarra segue engolindo tudo? Sei que o assalariado não consegue sair da fubá com ovo, fubá com sardinha, fubá com leite, fubá com salsicha. Um quilo de carne por trinta reais? Quem ganha um salário mínimo, paga aluguel, tem mulher e filhos para alimentar, água e luz para pagar, despesas extras etc. Não dá.

Aí, vem alguém e aponta o BOLÇA- FAMÍLIA. Pra quem não sabe: muitos tiveram o desprazer de ser mais um dos milhares que foram 'cortados'. Atualmente moro numa cidade onde a seca tem acabado com tudo. A renda da maioria vem de três fontes: Educação, Saúde e da Aposentadoria. E quando atrasam os salários? O comércio sofre e muitos empresários abaixam as portas. E os que não estão inclusos nas fontes citadas acima, são os que trabalham o mês inteiro para ganhar ( com alegria e dando graças a Deus), duzentos reais. Vou voltar a digitar porque você pode não acreditar. DUZENTOS REAIS. Outros tantos têm o ‘privilégio’ de ser incluído numa ‘folha de pagamento’ onde um salário mínimo é dividido para três pessoas. Há também os desempregados, os que ainda não entraram no mercado de trabalho e os que vivem de ‘bicos.’ Na cidade não há fábrica, indústria, enfim, nem uma esperança no final do túnel. Quem consegue terminar o ensino Médio tenta fazer o ENEM, porém as faculdades ficam a quilômetros de distância e o custo de ir e vir ultrapassa cento e cinquenta reais por dia, refiro-me à lotação. Não está incluso despesa com alimentação, livros, roupas, xerox, etc.Pobre pode estudar? Os que decidem ir para uma cidade grande enfrentam o desafio da falta de capacitação. A urgente necessidade de trabalhar os levam a aceitar qualquer colocação, e aí percebem que o horário não se adapta. O sonho é deixado de lado e os anos vão passando. Nossos jovens atrelados atrás de um balcão, de uma caixa registradora ou atendendo como vendedores em empresas pequenas onde não existe possibilidade de ascendência dentro da mesma veem quão injusto é desejar e não poder. No outro extremo, há os que tem, mas não valorizam, seguem extraviando, rejeitando as oportunidades, até porque muitos já estão satisfeitos com o berço de ouro, o ter tudo de mão beijada, a ostentação.

Em um país de extremos sigo também para outro ponto. A luta ingrata de quem tenta com todas as forças sobreviver com dignidade sem cair no laço dos que optam por caminhos mais fáceis. Daí sai dentro do peito a pergunta que está entalada: Aonde vamos chegar? Vou listar o preço dos legumes, verduras e frutas pra você ter ideia e entender o paradoxo do que é apresentado pra nós e o que eu vejo todos os dias. Um chuchu por um real e cinquenta centavos. Um pimentão por um real. Cinco laranjas peras por dois reais. Uma palma de banana prata ( raquítica e manchada) quatro reais. Uma palma de banana maçã, seis reais.Uma pera por um real e cinquenta ( pequena, dura, sem gosto), uma ameixa por um real, uma maçã( sem gosto, sem sumo) por um real. Um abacaxi por três reais e cinquenta centavos! O quilo de uva moscatel por seis reais ( estamos há cento e sessenta quilômetros das grandes plantações ( as melhores e maiores vão para a Europa e outros países do Primeiro Mundo). A manga( dentro está com partes escuras), uma por um real e cinquenta. Coentro, dois reais ,o maço. E o alface? As vezes podemos encontrar. Berinjela? Olho da cara. Repolho, três reais o quilo. Couve-flor? Nem por sonho. Vagem? É miragem. Cenoura, tomate e batata inglesa, quatro reais, o quilo. Abóbora e jerimum? Três e cinquenta, o quilo. Melão? Três ou quatro reais, correndo o risco de quando for abrir o abençoado está imprestável para consumo. Uffa! Desisto. É para chorar, não é? É melhor voltar às minhas buscas.

Vou comprar cenouras, beterrabas, tomates, batata inglesa, batata doce, macaxeira e antes de fechar minha raquítica feira semanal, ouço alguém perguntando pelo inhame. Ôba! Estico os ouvidos e aperto os olhos – a vista já é de uma sexagenária. Ouço com alegria que o dono da quitanda havia trazido uns cinco quilos para vender. Vou para perto da ‘privilegiada freguesa’ e aguardo que ela escolha sua ‘obra rara’. Com gentileza ela me entrega a sacola e quando vou derramar o conteúdo em um dos espaços vagos pensando em facilitar para os demais que poderiam desejar o bendito tubérculo, duas mãos vigorosas que valiam por dez pegou quase tudo que havia de melhor e eu fiquei a ver navios.

O empregado solidariamente perguntou: Já escolheu? Com cara de tacho respondi ainda surpresa com a ação da ‘lula cheia de tentáculos ‘ e triste como um cachorro que teve seu osso arrancado debaixo do seu focinho:

_ Escolher o quê, se agora só restou essas merrecas? Faça minha conta, meu filho – Pedi com a intenção de sair daquele lugar sufocante. Atenciosamente ele se ofereceu para levar minhas compras. Aceitei. Realmente estava acima das minhas forças. Mas, o que furou minha ‘bexiga’ foi àquela falta de cortesia. Às vezes sem percebermos podemos agredir e invadir o espaço que não temos direito.

Passei parte da manhã remoendo o fato. Lembrei que no dia anterior havia assistido um debate sobre política (do grego, politeia), relaciona-se também a coletividade. Meu conhecimento do grego é básico, e por isso para não escorregar e escrever fora do contexto confesso que fui pesquisar no MUNDO EDUCAÇÃO. Refletindo sobre o tema percebi o quanto carecemos de agir, falar, pensar também de forma coletiva. Vive-se em um mundo onde as pessoas visam ‘o primeiro eu’. Há uma crise terrível no que se refere aos nossos representantes - as notícias não me deixam mentir. Mas quando revisito nossa História sinto vergonha de ser tachada de brasileira(o)- aquele(a) que sempre tem ou encontra um ‘jeitinho pra tudo’. Nossa ‘ fama’ já ultrapassou fronteiras e aí, vem à indagação que não quer calar: Até quando perdurará essa alcunha?

Ah, vou ficar devendo a história da carne! Será que vou conseguir lembrar? Gente, só pra adiantar: vai fazer quatro anos que estou morando e amando esse lugar – as pessoas são maravilhosas, as paisagens são deslumbrantes, a fauna riquíssima, mas NÃO CONSIGO COMER CARNE VERMELHA. Depois eu conto...

IoneSak 01/04/16

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 01/04/2016
Reeditado em 01/04/2016
Código do texto: T5591793
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