O menino doce, O rapaz perdido, O homem doído.

Toda vez que me deparo com os olhos negros e expressivos daquele rapaz, pergunto-me: "Para onde correu o menino doce que conheci?". Realmente, as pancadas da Vida abrem cicatrizes tão profundas que até o tempo, senhor e rei das existências, se abriga nelas. Talvez seja elas também o esconderijo do menino que tive o desprazer de desconhecer. O homem doído amadurece lacrimoso, e se fecha à leveza dos passos ensolarados. O sorriso, que transbordava da alma iluminada já se tinge de outras matizes, menos ofuscantes. Sangra-me vê-lo sangrar. E a sangria aumenta a cada sensação de impotência do meu coração, que não consegue conquistar sua confiança.

O menino se desfolha a cada amanhecer. Temo chegar o dia em que estará careca. Temo chegar o dia em que seus resquícios já não consigam ser encontrados. Temo o dia em que tudo esteja quebrado. Temo-o pois, se ele entrar e alcançar essa história, eu carregarei comigo a culpa de não ter recolhido seus cacos, e não tê-lo ajudado a colá-los, num mosaico de humanidade tão lindo, que a vista perca a direção e que marejem as pupilas.

Acaso pode ser remendado o coração? Pudera eu fazê-lo, para que nenhum floco de essencialidade seja levado pelo vento da desesperança e do desespero. Pudera eu ser o remendador, sentado ao calor do ateliê, costurando, ponto a ponto, todos os rasgos abertos pela ingratidão. Pudera eu, com a nobreza do fio do amor, fraterno e sincero, cutucar-lhe a fofura do coração, e fazer desse ofício uma arte de ressuscitação. Não descompreenda as intenções, não acredite nas ilusões. Quero ser o auxílio, o ombro, os braços, os ouvidos, a linha, a agulha, a costura para que o menino volte a correr no jardim, e que sobre as marcas pisadas, nasçam brejeiras as flores da novidade e da liberdade de se bastar e se alagar.

Tiago Gonçalves - ABR/2016