UMA BOA METÁFORA PARA UMA HISTÓRIA DE AMOR

Nesse último fim de semana eu assisti a um documentário sobre touradas chamado Gored (tem no Netflix!). Eu não só gostei muito, como relembrei o quanto as clássicas touradas madrilenhas são fascinantes! O que certamente alguns discordarão. A carnificina do espetáculo (que ajuda fazer dele um espetáculo) é fator controverso e razão para dissidências. O que é mais do que justificável.

Em geral, são os touros que levam a pior. A expectativa é de que seja assim sempre. O que nem sempre acontece. Temperando o espetáculo e fazendo a alegria oculta do espectador. As vezes nem tão oculta também, há quem esconda o fascínio e prazer com a tragédia alheia, há quem se lambuze sem pudor. Schopenhauer dizia que a alegria da ovelha é saber que o lobo comeu a do lado. O trágico, longe de nós, salta aos olhos. A tourada, em essência, não é outra coisa se não isso. Um coliseu romano que vende Coca-Cola.

Em sua história, o homem fugiu o quanto pôde da consumação da morte, mas nunca deixou de brincar com ela quando pôde. Um toureiro não se satisfaz em apenas fugir da fera, quer ficar cada vez mais perto, alongar cada vez mais o último o segundo e enganar até mesmo a platéia, que atenta, espera o momento de ele se enganar e ser, então, o dia da caça! Oportunidade que se resume em uma sentença simples: o bicho pegou! Não existe chifre com clemência nem touro que hesite usá-lo. Ele é puro extinto! E o homem com o capote, assim como o que aguarda seguro na arquibancada, não se encontram distantes disso. Temos esse desejo. Esse estranho apetite que não se confessa nem se explica. Parece que quase morrer nos reaviva. Como o pé que se aproxima do precipício e sente melhor o chão quando recua.

O espetáculo na arena traz consigo – além da beleza – significados. (Aliás, parêntese que me ocorreu agora, a beleza é, em essência, um condensado de significados!). Voltando à arena... a praça dos toureiros é uma boa metáfora para uma história de amor. O toureiro deseja o touro assim como esse, à sua maneira selvagem de ser, procura-o ferozmente.

Desejoso de morte ou não, o amor também consome, também desencontra e também mata. Para o romântico em demasia ou o poeta de rimas métricas, a metáfora parecerá inapropriada e absurda. E desse romantismo incorrigível, febre que faz delirar, todos padecemos um pouco. É a ilusão de Ágape gritando! É o amor que fantasio e procuro. O amor que não ofereço, mas cobro. É a ausência pela qual lamento enquanto corre em mim seu avesso. Não sou apenas o toureiro ou touro. Mas ambos, na consubstanciação de duas vontades. Entre o chifre e a espada, um hiato, uma expectativa. Fantasio comigo um amor indolor, mas desejo na carne o abraço de Eros.