MEMORIAIS DA OLARIA

"Todo adulto,por mais que se esforçe,jamais conseguirá
livrar-se totalmente do menino que um dia foi"

(Érico Veríssimo)



Porque êstes meus passos trazem-me sempre aqui?...
Que fragmentos de minha história impregnaram-se na tua argila?...


A visão primeira me vem de tuas cavas...
Encobrem-lhas o capim expesso...Pegajoso é o limo numa baba verde pelos fios d´agua...
E , de quando em quando,uma traíra irada doura a sua cauda e num bote certeiro mais um lambari vira-lhe alimento.
O cenário é triste!...É de abandono.

Não mais as caçambas,as pás,as enxadas...
As caras suadas,nem os braços fortes...
O barro gordurento e a estrada borrada de tijolos amarelos,feita passarela,abrindo caminho ao sol do meio dia rumo à olaria...
Não mais as calças curtas,a cêsta de ameixas,férias escolares,ilusões,sabiás...
Nem a carriola repleta de telhas...Não mais o menino,viajor clandestino,embarcando cêsta,anseios e sonhos naquêle elevador.
Frutas bem maduras subornando oleiro à "dar um jeitinho" e subir o fedelho lá pro quarto andar.
Corredor escuro,luz de lamparina...Mulheres de lenços,com caras de escravas,risos desdentados,famintas das frutas do tal clandestino,ingênuo menino...Lá no quarto andar.

_"Pois que durmam telhas nestas arapucas,postas à limpar.
Que a hora  é sagrada! O fruto é divino e eu penso ser um anjo a trazer aqui :cêsta e menino!..."

Uma à uma eram devoradas aquelas ameixas e nas caras escravas bailavam sorrisos,olhares de gueixas...
Pelas frestas de venezianas,amiudados terreiros...Verdes alecrins.
Vassouras de mato,varais,janelinhas...
E lá no quarto andar tecia em razantes,voar de andorinhas.
Do peito brotavam sonhos tão intensos que até nem lembro.
Dourados,talvez,porque era dezembro...
Hoje êstes meus passos trouxeram-me aqui...
A chaminé do tempo espia o infinito

Mudos são os ecos...E o dia é bonito.
Um abraço azulado na tarde vadia
Sem núvens vagantes pela aragem fria
Só uma turbina num traço de giz
Desenha uma curva sobre a olaria

Joel Gomes Teixeira