Sou como uma fração de meios, metades e partes ocultas...

Sinto-me só, mesmo acompanhada dos filhos, de amigas, do namorado e ainda assim sinto uma solidão que me dilacera por dentro. Esse aprisionamento que me massacra o peito, esses olhares perdidos pelas janelas e portas me acompanham desde criança, sim, fui uma menina de olhos soltos no horizonte e com um desamparo perene nos olhos escuros. A Adolescência foi uma época abafada de agonias, um isolamento acompanhado de amigos esparsos e muitos amores decompostos entre o ontem e o hoje. Passei um longo tempo da minha juventude à procura de alguma coisa, andei perdida entre as noites, bebidas, festas, faculdades e muitos amores escusos e uma solidão que me destruía aos poucos... Até que me surgistes aos poucos, foi o meu melhor amigo antes de te tornar meu amor maior, tu me preencheste, passei anos de felicidade contigo.

Ao teu lado sonhei uma vida que nunca vivi, planejei uma existência que jamais aconteceu, mas tu me destes os meus filhos. Isso me bastou para eu ser feliz, por um longo tempo, não me senti sozinha bastava voltar pra casa, tu e meus filhos eram o meu lar. Mas, um dia cansei do que nunca te tornastes, desisti das palavras que nunca foram transtornadas em concretude. Aborreci-me de olhar a tua destruição diária, fui embora, a minha solidão voltou em golfadas diárias mascaradas por mil drogas legalizadas e não mais foi embora. Hoje, virei partículas miúdas de sentimentos, divido-me, subdivido-me e não consigo mais me tornar inteira, sou como uma fração de meios, metades e partes ocultas. Sinto falta do meu lar, do meu cão e das minhas plantas, entretanto nada mais me pertence, voltaste ao lugar que sempre foi teu.

A mim ficou os meus dois filhos, um novo endereço perto das urbanidades, longe dos pássaros e perto da zoeira dos carros que atordoam as minhas noites insones. Pareceu-me uma troca justa, mas a solidão veio comigo, aquela antiga, que existia antes de tu surgires, ela se instalou e pediu morada na nossa casa, não reclamei, afinal trouxe meus filhos comigo. Sou feliz e infeliz ao mesmo tempo: uma felicidade entremeada de coisas triviais e intensas que me provocam uma crença absoluta que existe um amanhã e uma infelicidade leve que faz meus olhos se perderem num passado que não possui bis. Sigo em meio aos percalços inerentes de alguém que escolheu viver de forma diferente a maioria, detenho um preço adequado e ao mesmo tempo acanhado: a solidão, a minha herança natural desde que te deixei.

21/05/16

Marisa Piedras
Enviado por Marisa Piedras em 21/05/2016
Código do texto: T5642783
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