Crônicas de Mamute - CAPÍTULO 2

ANTES DE COMEÇAR, GOSTARIA DE CONVIDÁ-LOS A CURTIR A PÁGINA DAS CRÔNICAS NO FACEBOOK:

www.facebook.com/cronicasdemamute

CAPÍTULO 2

Era seu aniversário de 27 anos. Como presente de aniversário, iria se tornar oficialmente presidente das empresas do avô, que morrera poucos meses antes.

Inácio já vinha preparando a sucessão havia algum tempo, sem que o neto soubesse, mas a doença foi mais rápida e forte do que imaginara. Assim, poucos detalhes precisaram ser concluídos para que Marcus assumisse, contra a vontade, o cargo do avô. Esse era o desejo dos acionistas e diretores das empresas, pois se havia alguém que podia substituir Inácio, era Marcus.

E ele não estava nada feliz. Pelo contrário. Poucas vezes esteve mais irritado e infeliz. Era a primeira vez que passava seu aniversário completamente sozinho no mundo. Não lhe restara mais ninguém na vida. Primeiro seus pais, agora seu avô. Ao menos não tinha mais família para perder. Faria do trabalho, sua única família. Um trabalho que não escolhera. Um trabalho ingrato. Um trabalho que lhe serviria para afogar as amarguras da vida.

Anos atrás, o avô tinha exigido que cursasse a faculdade, já com o intuito de prepará-lo para o comando. E não foi apenas uma faculdade. Primeiro, perto de casa e do avô, cursou direito e economia na Universidade Federal local. E depois, foi obrigado a fazer especializações na Europa. Passou por Londres, Milão, Madri... Mas foi em Istambul que pegou o gosto por brigas de rua. A sensação de liberdade, por estar longe do avô, lhe permitia alguns prazeres que ele ainda estava descobrindo: a bebida e o charuto. Duas coisas que o avô não permitia em casa e, isso é que ele não sabia, era o principal motivo de desavença de seu pai e seu avô.

Passou a frequentar os piores lugares do submundo turco. Apesar das pessoas o acharem um rico esnobe, coisa que ele não fazia questão alguma de esconder, pois assim lhe deixavam em paz, ele nunca se incomodou com status. Passou a ter uma vida dupla: durante o dia era o estudante riquinho e mimado. A noite era um proeminente encrenqueiro e beberrão.

Apesar de ficar alterado com a bebida, jamais perdia o controle dos movimentos ou das capacidades mentais. “Dom” que ele creditava ao pai que agora não passava de uma lembrança que o avô tratou de transformar desprezível.

Marcus não era de procurar por briga, preferia fumar o seu charuto e beber sua vodca em paz, desfrutando da música ambiente, mas nem sempre isso era possível. Não se lembrava o que ou quem o levara para esse lado da cidade, mas gostou e ali permaneceu. Em contra partida, lembrava muito bem de sua primeira briga. Havia entrado em um bar novo, que as pessoas diziam ser frequentado apenas por soldados do exército turco, uma das forças militares mais violentas e brutas do planeta. Logo de cara, um soldado valentão invocou com ele e com jaqueta que Marcus usava. Era das cores do time de futebol rival ao dele e, sem esperar que Marcus se explicasse, partiu pra cima dele. Apesar de ser um lutador experiente, brigar ainda era uma coisa nova. Não havia regras para defendê-lo. Além de forte, o turco tinha duas vezes o seu tamanho e empunhava uma perna da mesa à qual estava sentado com os companheiros.

O golpe veio de cima, da esquerda para a direita, mas Marcus se esquivou e, por reflexo, revidou com socos rápidos e certeiros, direto na costela desprotegida do gigante. Que pareceu nem sentir. O segundo golpe do turco o atingiu em cheio. Foi um chute no meio do peito que o arremessou para fora do bar. Ao constatar a vitória, o soldado voltou para sua mesa, agora tripé, rindo e debochando do novato. O bar inteiro estava rindo da surra levada por Marcus. Mas ele não se preocupava com isso. Estava acostumado com esse sentimento de solidão. Esta não foi a primeira surra que levaria. E também não foi a última.

Demorou, mas ele pegou o jeito. Mais do que isso, passou a adaptar a briga de rua ao seu estilo de luta no boxe. E apesar de apanhar mais do que bater, nunca mais abandonou o submundo enquanto esteve na Europa; assim, suas habilidades também melhoraram, e as coisas se inverteram: passou a bater mais e apanhar menos.

Mas essa não fora sua única conquista no, então, Velho Mundo. Os diplomas adquiridos e a fama que começou a fazer no mundo acadêmico europeu, Marcus também não considerava dignos de serem comemorados. Estava ali apenas por causa de Inácio. Seu avô insistira tanto para que fosse à Europa que até parecia que queria que seu neto estivesse longe. E esse sentimento era o combustível para seu comportamento rebelde. A outra conquista, e, essa sim, Marcus levaria para sempre guardada no peito, era ter conhecido uma garota.