Crônicas de Mamute - CAPÍTULO 3

ANTES DE COMEÇAR, GOSTARIA DE CONVIDÁ-LOS A CURTIR A PÁGINA DAS CRÔNICAS NO FACEBOOK:

www.facebook.com/cronicasdemamute

CAPÍTULO 3

Os preparativos para a sucessão na empresa previam uma grande festa. Todos os acionistas estariam presentes. Todos fingiriam estar felizes e serem seus amigos. Marcus sempre odiou esse aspecto da vida que levava com o avô. Inácio sempre dizia o quão importante era conhecer e ouvir os empregados, fazendo com que eles se sentissem parte da grande engrenagem que era a empresa, independente do cargo que eles ocupavam, por isso muitos diretores e gerentes foram convidados. Mas o futuro presidente das empresas Trinnity sempre preferira o convívio com os empregados comuns, da operação diária que não precisavam usar terno e gravata. Por isso fez questão de chamá-los também.

O evento seria realizado somente ao anoitecer, o que lhe dava tempo de fazer o que realmente gostava e lhe servia para aliviar o stress. Foi para o ginásio treinar. Desde que voltara da Europa, passava muito tempo lá. E ainda mais depois da morte do avô. Mas ninguém mais queria ser seu sparing, Marcus além de bater cada vez com mais força, parecia estar com os sentidos de lutador mais aguçados do que nunca, o que o fazia machucar os colegas de treinamento cada vez com mais frequência. Agora ele usava apenas o saco de areia.

Ainda estava cedo. Cedo demais, as pessoas normais diriam, mas para Marcus, que nunca fora de dormir muito, estar na academia às cinco horas da manhã, mesmo no dia de seu aniversário, não era problema. Ainda mais quando se era o dono da academia. O “dono”. Ele ainda não conseguia acreditar nisso e, cada vez que pensava no assunto, mais deprimido ficava. O império que passaria a comandar era do seu avô, não seu. Por que ele tinha que ter morrido? Por que não poderia ficar mais tempo com o neto? Mas agora ele se fora e Marcus teria de fazer o que fora cuidadosamente treinado para fazer a vida toda.

- Não esperava encontrar com você aqui hoje, Marcão – a voz meiga, porém firme que lhe tirou a concentração do alongamento vinha da porta de entrada.

- E você, Raffa, o que faz aqui à essas horas, não devia estar se arrumando pra ir pra escola?

Raffaely era uma garota com a metade da idade de Marcus, filha do cozinheiro, mas tratada pelos dois patrões, tanto Inácio quanto Marcus, como se fosse da família. E ela tinha muitos privilégios que muitos diretores e acionistas da empresa não possuíam. Por uma coincidência, os dois faziam aniversário no mesmo dia e, a maior exigência de Marcus, foi que ela pudesse participar da festa também, coisa que deixou muita gente indignada.

Era inverno e fazia muito frio, mas Raffaely estava usando apenas uma camiseta preta, que dava um lindo contraste com seu cabelo loiro liso arrumado em traça por cima do seio esquerdo, e uma calça legging roxa. Por treinar com Marcus desde criança, ela havia desenvolvido um aguçado instinto para o boxe, mas tinha um jogo de pernas ainda melhor que ele, pois era uma aluna assídua das aulas de dança. Assim sendo, ela não via o menor problema em se soltar e maltratá-lo durante seus embates no treinamento.

- Já escolheu o seu presente, Raffinha?

- A festa e o vestido não eram os presentes? – ela respondeu com um sorriso que sempre lhe tirava a concentração, ela tinha uma covinha na bochecha quando sorria. Apenas na bochecha direita.

Apesar de não demonstrar para ela, a garota sabia quando havia algo de errado com Marcus. Agora que Inácio não estava mais presente, ela era quem melhor o conhecia. Talvez fosse a única pessoa que o amava realmente. Não que os outros o odiassem, mas ele cresceu à sombra do seu avô e sempre fora muito retraído, não era fácil lhe arrancar um sorriso, coisa que Raffaely fazia com facilidade. E o sentimento dele por ela era recíproco.

Depois de trocarem socos por umas duas horas, Marcus mandou a jovem tomar banho e trocar de roupa e a levou para a escola de carro. Não era raro que ele a levasse, afinal os dois tinham uma grande amizade e, como ela também morava na imensa propriedade com os pais, sempre estavam juntos quando ele não estava na empresa. Raffaely também não reclamava. Era ótimo aparecer na escola dentro do porsche e acompanhada por um cara rico e lindo! Mas naquele dia Marcus não poderia ir buscá-la. Teria de ir até Curitiba assinar uma documentação na sede da Trinnity. Provavelmente só se veriam pouco antes da festa. Marcus fazia questão de que aparecessem juntos, como se fossem uma família; afinal, Raffa era a única pessoa que chegava perto de ser a família dele.

Ao dispensar o helicóptero, Marcus tinha em mente ir dirigindo de Guarapuava até Curitiba, levaria em torno de três horas, menos se a estrada estivesse limpa. E ele precisava pensar.