Do que dois Jânios me ensinaram

No início da década de 90 (quando quase um terço da população atual brasileira ainda nem tinha nascido) eu li um artigo do Jânio de Freitas, da Folha, que contava um caso curioso, acontecido no início da década de 60 (quando mais da metade da população atual nem tinha nascido) sobre o Jânio Quadros, então presidente da república. Só para os mais novos se situarem no contexto da época (60): o Jânio, presidente, tinha alta popularidade quando assumiu (quem já ouviu falar na sua famosa vassourinha de varrer a corrupção?) e também possuía uma personalidade pra lá de excêntrica. Ficou poucos meses na presidência e renunciou, por pressão de “forças ocultas”, como ele mesmo alegou, aí entrou o vice, João Goulart, e todo mundo sabe mais ou menos no que deu. O artigo do Jânio, colunista, era exatamente sobre esse contexto e mais especificamente sobre as artimanhas de marketing que ele usava, antes das “forças ocultas”, e citou exemplo de uma delas: ele andava meio que pisando em ovos, numa situação que envolvia interesses americanos e soviéticos, que já naquele tempo andavam disputando pra ver quem levava as riquezas brasileiras, e que a situação estava tão tensa que ele lançou mão de uma coisa bem ridícula, mas que deu resultado, pelo menos por um tempo. Sabem o que ele fez? Disse o colunista: ele simplesmente criou um decreto proibindo o uso de biquinis nas praias (que em seguida foi revogado, mas que cumpriu o seu objetivo imediato). Lembrando que era o início dos anos 60, né? Imaginem o alvoroço que este decreto causou na população. Alvoroço fomentado pelos jornais da época, a pedido dele, claro.

Resumo do colunista no artigo: enquanto os leitores (ainda não havia globo naquela época) discutiam sobre o uso do biquini, um presidente da república inaugurava (e ensinava) no Brasil a mais eficiente artimanha política, para quando alguma situação a exigir: a de fazer o povo olhar para outro lado enquanto o poder resolve suas coisinhas, sossegado.

O que eu aprendi neste simples artigo que li, há 20 e poucos anos, e que lamentavelmente comprovo a cada dia deles que vivi? Que alguns poucos aprenderam e hoje sabem utilizar com MAESTRIA esta artimanha. A de mudança de foco. A da distração. A de se oferecer milho às galinhas pra elas ciscarem, enquanto eles, os donos do poder, resolvem as suas questões. Este artigo foi um divisor de águas na minha vida. Nunca mais li notícias da mesma maneira. Foi através dele que eu aprendi a ler as entrelinhas do que a midia quer me empurrar como milho. Foi através deste simples artigo que eu aprendi a ver o que há por trás de tanta bizarrice que jorra dos jornais, da tv e principalmente agora das redes sociais. Se até os canalhas mixureba brasileiros já aprenderam a artimanha, imaginem o know how dos grandes impérios! Acho até que foi este artigo que me transformou na “do contra” sistemática que sou hoje em relação às notícias que rolam por aí. Quanto mais envolvente for o assunto, quanto mais discussão ele gerar, quanto mais opiniões, críticas, teses filosóficas e sociológicas ele gerar, quanto maior a comoção que ele causar, quando até o pipoqueiro da esquina estiver falando nele, mais eu me distancio, pois eu tenho certeza de que o mais importante fato ocorrendo tá longe dele. Por mais doloroso até que algum assunto possa parecer em algum momento, pra mim é milho sendo ofertado, para desviar a atenção de podridão mil vezes maior.

Vocês não têm ideia de como o coração da gente vai se apertando, à medida que vai constatando que o o mais nebuloso nunca está no raso das coisas. É de uma solidão do tamanho do universo quando só a gente parece ver o que há lá no fundo.