PARA QUE SERVE A MINHA VOZ?

Saveco

Em conversa trivial, obtive uma inquirição que me logrou inquietação e horas de insônia. Falávamos sobre a invasão do Iraque e sobre manifestações mundiais de repúdio e rejeição ao imperialismo dos EUA, quando alguém me fez em tom de desdém a seguinte indagação: se a ONU e os países poderosos não conseguiram deter as nações invasoras, o que simples protesto de pobres mortais realizado no Brasil vai conseguir?

A conversa varou altas horas em tons inflamados e posições radicais sobre os acontecimentos mundiais. Quando em repouso, novamente a inquietante interrogação passou a me exigir uma resposta tranqüilizadora que tardou a chegar para me dar serenidade, satisfação e aliviar minha indignação de sentimento de impotência diante dos fatos.

Quando nasci, o meu choro provocado pelas famosas palmadas no bumbum serviram para dar sossego à minha mãe; resposta à parteira e anunciar ao mundo que eu estava chegando. Por certo, não foram ouvidas por todos da terra, contudo, cumpriram o papel diante do acontecimento.

No florescer da infância, quando já havia aprendido a usar as palavras como veículo de comunicação, a minha voz serviu para transmitir a minha alegria, a minha tristeza, a minha manifestação de aprovação ou desaprovação de determinada atitude. Fez-se também necessária para ver cumprida a obrigação que alguém relutava em cumprir.

Na adolescência, a minha voz fez-se presente para alcançar o coração de alguém com a expressão “eu te amo”; para reclamar dos rigores da educação familiar; para gritar e incentivar ídolos; para apupar políticos imbecis; para me integrar a eventos estudantis; para vaiar a ação policial que rechaçava a desaprovação do golpe militar de 64.

Na juventude, já melhor conhecedor de sua eficácia, minha voz serviu para discursos de eventos sociais, festas natalinas, para sensibilizar espíritos, muitas vezes provocando lágrimas.

O certo é que em todas as ocasiões de minha vida, minha voz esteve presente. Penitencio-me em razão de que por algumas vezes fiz uso para ofender e maltratar, afinal sou ser humano eivado de erros e defeitos.

Hoje, sinto-me gratificado pelo uso de minha voz e incluo-me como uma pequena célula em um organismo mundial que se chama cidadania mundial. Um simples ato faz-me pretender não ser um zero à esquerda, explico melhor: participei de grande manifestação nacional contra a guerra e pela paz, decerto, uma participação modesta, sem destaque, porém sincera. Com o coração aos saltos, gritei, vaiei, cantei o Hino Nacional. Uni minha voz aos refrões e fiz um pouco do que me cabe enquanto ser humano, cidadão e soldado da paz mundial.

O desespero de crianças e jovens iraquianos que nesse momento têm congelados e petrificados suas aspirações e desejos de viver e gozar a vida atingem de frente minha condição de ser humano. Ansiamos igualdade de direitos e oportunidades, portanto, jamais poderemos calar diante das atrocidades cometidas contra a raça humana, partam de qualquer canto do mundo. Ainda que estejam mascaradas e cobertas de qualquer roupagem de disfarce, na qualidade de ser pensante, tenho o dever de fazer cair a farsa e desmascarar a mentira.

Pois bem. Nossas vozes com certeza não vão ser ouvidas pelos insensíveis imperialistas, mas vão ficar indeléveis nos tímpanos de quem as ouviu. Na retina de quem acompanhou ou nos viu nos veículos, a nossa imagem ficou gravada e eles entenderão que o nosso protesto significará que podemos, basta querermos.

Ah, sim! Ao debatedor da noite que me interrogou sobre a infinita distância que separa os bobos protestos tupiniquins dos presunçosos donos do mundo, devo-lhe dizer sem querer menosprezá-lo:

-Minha voz não serve apenas para dizer “sim senhor”; “não senhor”, “adeus”. “já vou”; “vou dormir”; “tenho pressa”... Isso é muito pequeno para mim. Minha voz serve para gritar, protestar e me fazer uma potente arma que mesmo não lacerando a carne tem alcance ilimitado e fere o espírito, abre consciências e liberta a razão.