A maré do tempo

 

         O Sol se põe, o Sol se levanta e assim, contamos um dia, os anos e séculos, passamos pelo tempo, ou ele passa por nós, mas essa entidade duvidosa, o tempo, leva nossas vidas pra longe de nós mesmos, viventes desse planeta minúsculo, quase uma poeira cósmica a vagar pelo infinito e não podemos dispensá-lo, precisamos do tempo para fazer coisas, tempo para perder, tempo para amar ou viver, implacável, não espera por ninguém, às vezes corre outras caminha lentamente, mas em marcha contínua segue sempre, impávido, tudo transformando e, no entanto, nas sucessivas repetições grita em nossos ouvidos a melodia da eternidade. Somente em alguns momentos, muitos especiais têm-se a impressão de que o tempo estanca, pairando sobre o bem e o mal e só então dele não nos damos conta.

Felizmente o tempo parou para mim em alguns momentos de puro deleite, lembro-me de que ao decifrar os sinais da escrita, fiz das histórias grafadas meu refúgio secreto; enganava o tempo, perseguindo os fios das tramas para tecer ilusões e sonhos de menina, mais tarde, no final da adolescência e pelos anos adentro da vida adulta, os livros passaram a ser minha tábua da salvação. As histórias dos romances me acolhiam e consolavam, transportando-me para longe de tristezas que não tinha condições de enfrentar ou do tédio e marasmo de um cotidiano marcado pela relativa boa aventurança e pela explícita falta de aventuras. Era o caldo literário que me alimentava das emoções que eu não sabia como, nem conseguia viver. Ali, naquelas linhas escritas e espaços em brancos convivi com personagens diferentes de mim, cujas vidas me mostravam variações de enredos jamais imaginados, ali nutri os germens da intuição de que o mundo não era um eterno ter de fazer, ter de agradar, ter de cuidar, ter de parecer, buscava alívio para depressões nessas teias meio reais, bastante inventadas, voando para longe da realidade e, embora parecesse passiva e imóvel com um livro diante dos olhos, minha alma borbulhava e o tempo parava.

O tempo. Reverencio-o pelas modificações que nos impõem, senão como teria descoberto espaços para outros prazeres, além da leitura? Espaços que se ampliam se abrem como portas em um túnel sem fim, revelando surpresas, antes invisíveis, conforme envelheço? 
         Prefiro não contabilizar o que perdi com o tempo, mas valorizo tudo o que venho ganhando com ele a cada dia vivido.

O Sol se põe, o Sol se levanta e assim como o vai e vem das marés o tempo não para.

Célia Regina Marinangelo

               4/6/2007