Estava estudando o texto narrativo e o relacionando a diferença dos sexos

Ela:

Foi num dia com cara de vômito, tudo enclarecido e com aquela densa escuridão, homogêneo. Sentia-me triste pelas inconquistas que tive ao longo de minha vida toda. Podia ser só o fim de um filme, depois de todas aquelas cenas rápidas, a final, mais emocionante que une todas as pontas e termina a obra, deixando livre interpretação para tudo que acontece depois.

Porém, é a vida real, nada daquilo. Pela linha biológica dos fatos, minha morte estava muito longe de concretizar-se. A morte era tudo que eu mais desejava naquele momento, uma solução utópica para todos os sofrimentos, até se pensar direito.

Via-me improdutiva, incapaz e feia.

Todos estes sentimentos estavam reunidos em meu corpo, naquele dia instável, encostado numa grade verde construída em praça pública. Ou na verdade, num mero espaço coletivo qualquer. Um corpo carregando fome e frio, desprovido de nutrientes e malhas de boa qualidade. Um corpo numa fila enorme, como os infinitos pés das centopeias, para comprar cachorros quentes numa barraquinha de hot-dog.

Foi quando um moço com barbas de palha de aço, idealizavelmente cheias entrou na fila, atrás de mim obviamente. Vestia blusas finas com aspectos quentinhos, claras e com listras de outras cores, as quais harmonizavam estranhamente de um jeito positivo umas com as outras. Lia num aparelho digital pequeno, que parecia um tablet, não parecendo ao mesmo tempo, pela estatura.

O moço tinha feições másculas, traços viris se é que pode dizer. Usava calça social, que traz poder e respeito a qualquer um dentro de uma sociedade capitalista. Calças que quando combinadas a um sapatinho social, se tornam irresistíveis aos julgamentos precipitados. Tipo pré-conceito mesmo, daquele que parece ter completa certeza do que diz.

Eis que permaneci ali, mudando constantemente de assento no murinho, na medida em que a fila andava e crescia mais, mantendo o mesmo tamanho sempre. Porém agora eu tinha a doce ilusão errônea de estar sendo notada por aquele ser do sexo oposto e pensando três vezes antes de realizar quaisquer mínimos movimentos.

A fome parecia crescer.

Ele:

Foi um dia estressante, muitas tarefas, problemas e soluções. Bem corrido, um dia de pagamento, não para mim e vencimento de prazos. Aquela uma hora de almoço não foi capaz de saciar minha fome de descanso e de comida. Quando sai da empresa, não pensei três vezes, fui direto para barraquinha do Seu Manoel, da rua de baixo. O senhor que por cinco reais vendia um hot dog saborosíssimo. Sempre comi pelo menos dois deles.

Deixei a maleta no carro e desci a pé mesmo. Já era fim de tarde, a temperatura estava abaixo do normal para aquela região. Levei o e-reader, para adiantar o trabalho do dia seguinte enquanto aguardava na fila, que pelos meus cálculos estaria grande, como costumava ser durante aquele período, aquela época do ano, aquele dia da semana.

Todos na região conheciam o Seu Manoel e seu talento para agregar temperos e ingredientes ao lanche, por um preço camarada. Era frequente a reunião de pessoas naquele espaço a céu aberto, nos banquinhos cinzas de concreto. Eu não via a hora de dizer novamente: “-Grande, me vê dois do de sempre”.

Nem ao menos percebi o cansaço de minhas pernas e permaneci de pé na fila, lendo chatices essenciais para minha independência, dependente do ganho monetário.

Havia uma moça de uns 24 anos de idade sentada num acento improvisado, em cima da base da grade, na minha frente. Bonita, parecia ser baixa, cabelos longos pretos, quadris largos. Vestia um casaco verde escuro grosso e tinha ponta do nariz vermelha, provavelmente resultado do frio no ambiente. Bonita.

Voltei em vão à leitura pouco prazerosa a qual me obrigara anteriormente. Agora já não tinha mais qualquer concentração.

E continuava com fome.

LizaBennet
Enviado por LizaBennet em 08/06/2016
Reeditado em 26/06/2020
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