DURANTE AS COMPRAS

- Crônica na Veia -

Por Soaroir Maria de Campos

15/07/07

Hoje, quando entrei nas Arcadas, padaria do meu bairro e comprei dois pães, do tipo que a gente usa para cachorro-quente, com cara de amanteigado, liso e brilhante, aspecto de meio doce meio salgado, não tinha a menor idéia de onde um deles iria parar. A princípio, era para o lanche da tarde, mas o destino mudou o caminho de um deles.

Cheia de sacolas de supérfluos, esperava o farol quando uma bela figura aparentando aproximadamente seus 22 anos se aproximou. Balbuciou alguma coisa, que, pelo volume, não era de seu feitio. Disse-lhe: “Desculpe-me. Não entendi”, e então, num tom menos baixo, disse: “Pode me ajudar para comer alguma coisa?”. Foi mais ou menos isso que entendi. Minha resposta foi a de que naquele momento eu não tinha dinheiro e virei as costas. Por sua vez, aquela figura magra, esguia e pálida, de aparência meio andrógena, cruzou minha frente e se dirigiu à outra senhora, que em cujo semblante, à curta distância, pude perceber medo e negação.

Foi aí que prestei atenção ao “pedinte”. Carregava uma mala do tipo baú executivo guarnecida com uma fita semelhante às dos crachás e com o logo de uma empresa bem conhecida. Corri os olhos pela figura de costas e, embora sua roupa fosse de esmerado cuidado, percebi que na perna esquerda havia um rasgo costurado com uma espécie de barbante marrom. Não é um nerd, tampouco um emo, ou vagabundo; se fosse não faria questão de tentar esconder aquele rasgo costurado que, aparentemente, o humilhava mais do que se não o tivesse tentado disfarçar.

O farol ia fechar, mas, embora eu seja do tipo apressada, impulsivamente pensei: “O farol vai abrir novamente.” Contornei aquele rapaz e fitei seus olhos, azuis e tristes. Perguntei-lhe: “De onde você é?”. Respondeu-me “Cachoeira Paulista. Passava fome por lá, e vim tentar a sorte aqui. Mas o amigo onde eu ia me hospedar viajou e agora não tenho nem o que comer”. “Tenho pão", disse eu já abrindo uma das sacolas. “Mas a senhora comprou porque precisava...”. ”Você quer o pão ou não?”. “Obrigado. Deus lhe abençoe.”.

Atravessei o farol da Paulista com a Brigadeiro sem nem sequer olhar para trás. Enquanto eu caminhava, bateu-me uma grande tristeza. Pensei na mãe dele. Pensei na escolha que ele fizera. Pensei… Mais adiante, ainda pensando, olhei para minha sacola de supérfluos. Pensei que, mais que pão, aquele moço teria apreciado mais se eu tivesse lhe perguntado o seu nome.

(p/ Crônicas de 16/07 a 22/07 - Recanto das Letras)