Por que caí?

Se caí? Sim, caí! Caí com a cara no chão e a quebrei. Não foi a primeira vez. Quando era criança caí dezenas de vezes, em quadras e campos de futebol, brincando, torci o pulso, levei botinada na canela, no peito, na cara, quebrei o dente, tive olho roxo, galo na testa, pontos na cabeça, na mão direita, no super-cílio, arranhões e raladas das mais diversas formas e possibilidades. Caí do galho, da bicicleta, nos espinhos da praça... Fui mordido por peixe, gato, cachorro, jacaré, picado por escorpião, formigas, aranhas assassinas... Mas não morri! Por que caí? Não sei ao certo. Caí no mesmo buraco mais de uma vez. Algumas vezes sorri, mas na maioria chorei, fiquei de cama, me desesperei, achei que não ia dar pé quando me afoguei na corredeira, sendo que só precisava ficar em pé. Perdi o fôlego ao tentar atravessar as águas do Rio Grande até a ilha, porém resisti. Não sei de onde, mas uma força absurda me impulsionava às braçadas e pernadas da vida enquanto os olhos encharcados e o coração pulsava quase sem sentido! Sem sentido? Por que caí, continuei a perguntar. Por que quase me afoguei? Por que me acertaram aquela pedrada? Por que tanta pancada? Nunca soube responder.

Na adolescência caí na besteira de fazer arruaça, de me apaixonar, de correr sem parar e saltar muros e sacadas. Espetei os dedos em rosas roubadas,e as lágrimas vinham, o sangue brotava, os hematomas. Feri o coração acreditando piamente nas pessoas. Um dia pulei de uma árvore e na metade do trajeto notei que fizera besteira, mais uma, era alto demais. Torci o tornozelo. Torci tanto e meu time perdeu. Havia a perda, começava a pensar. Mas, porque caí? Por que chorava? Por que tanta dor?

Já na idade adulta caí do carro na autoestrada, me acidentei, não morri nem sei porque. Arranquei placas com a cabeça, arrebentei carros em postes, atravessei pontes onde nem sequer haviam pontes. Perdi as estribeiras muitas vezes e, quando abri os olhos, o sol raiando, respirava fundo e voltava a me perguntar: por que caí? Por que? Por que perdi?

Perdi entes queridos que parecia mais uma vez que não iria conseguir respirar, acordar no outro dia para continuar. Mas, mais uma vez a vida vinha com sua incontrolável progressividade e me impulsionava quase que aos empurrões e me dava um pontapé para seguir adiante. E eu sempre me perguntando: meu Deus, por que caí? Por que tudo isso?

A cada frescor de paz, a cada lufada de vento, vinha um pouco de dor, um soco no olho, um tapa na cara que me fazia acordar, me reerguer da cama e caminhar, mesmo sem saber para onde.

Uma vez sofri uma queda tão brava que fiquei quase dois anos acamado. Os médicos diziam para me entupir de medicamentos, os pais de santo me ministravam rezas e mandingas, os místicos, os padres, sacerdotes, espiritistas, psicólogos e pregadores da auto-ajuda diziam para dar um jeito. "Era preciso dar um jeito, meu amigo!". E sempre, sempre me perguntava: por que caí? Por que tanta lambada, sendo que nem sequer sabia dançar? Essa foi a pior. Os dias se tornaram uma tenebrosa e infindável madrugada fria. Não havia lua, o sol não esquentava, o alimento não sustentava, a TV estava quebrada, tudo quebrado. Não havia mais sentido naquele coração partido. E voltava e martelava: por que caí? Por mais que tentava tinha a impressão de que alguma alma-penada, algum anjo das sombras me dava rasteiras... Muitas vezes quis sair por aí sem rumo. Outra vez tentei o pé de jabuticaba e o galho quebrava. Tudo estava muito seco e a pergunta voltava e martelava: por que caí? Por que me escorreguei naquela fatídica encruzilhada?

Hoje, martelando as teclas dos quarenta anos eu sei um pouco sobre a 'filosofia' da queda, dos óculos quebrados, das lentes arranhadas, das quedas, da visão ofuscada e do coração perfurado. Sei que a dor é passageira, que a vida é passageira, que a queda faz parte da estrada e que nada, absolutamente nada, nem a guerra, nem os lobos, os selvagens ou sequer a morte são capazes de destruir uma pessoa determinada. Existe amor no fim do túnel, mesmo que apaguem a luz!

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 14/06/2016
Reeditado em 14/06/2016
Código do texto: T5667304
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