TEMPOS DE TERNURA I - "Ê Bahia... umbu, vatapá e azeite de dendê"!!

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É bom lembrar os tempos idos, até para que possamos avaliar os atuais, fazer juízo sobre o comportamento da nossa juventude e de nós mesmos.

Nesta época de festejos juninos, de folguedos, arrasta-pés e alegria, faço uma longa, mas breve viagem a Salvador dos anos 1952, a partir de quando lá cheguei para continuar os estudos, ainda aos doze anos de idade, mas com 1,70 m de altura e 60 Kgs.

Quando criança, por várias vezes tive oportunidade de ir com minha mãe a Salvador, para ela a viagem visava o cumprimento de compromissos com a Secretaria da Educação ou com a família (originária de Salinas da Margarida); para mim, um maravilhoso passeio envolvendo transportes cheios de mistérios. Desde a ‘marinete’ – de Poções a Jequié, o Trem-de ferro (Maria fumaça), de Jequié a São Roque (do Paraguaçu) e a Salvador, através do navio à vapor (?) da Cia. Navegação Bahiana. Saíamos de Poções às 5:00 da manhã, chegávamos à tarde em Jequié, pernoitávamos numa pensão de conhecidos da nossa família e. no dia seguinte, viajávamos de trem, também às 5:00 da matina, saindo da ‘pensão’ ainda às escuras. A chegada em Salvador dava-se entre as 8 e 9 horas da noite. Era uma viagem quem sabe, cansativa, mas cheia de momentos de intenso torvelinho. Lembro-me que ficava maravilhado ao ver a locomotiva descrevendo linhas sinuosas pela ferrovia e ficava contando os vagões que iam à nossa frente, como um grande caracol em marcha célere, a soltar fumaça pelas ‘ventas’. Ao parar nas várias estações, ao longo da viagem, ouvíamos os apitos estridentes e contínuos da máquina (uma sinfonia aos meus ouvidos) e a voz tonitruante do seu auxiliar que avisava o nome da estação, verificava se as passgens estavam em ordem e dava um furo com uma pequena maquininha manual. Passageiros desciam e subiam e minutos depois, um longo apito precedia a sacodidela da ‘composição’ que reiniciava sua marcha. ‘Baixão’, Jaguaquara, Itaquara, Santa Ignês, Ubaíra, Jequiriçá, Mutuípe, Lage, Santo Antonio de Jesus (em cujas estações havia dezenas de vendedores de beiju, doces, frutas e sucos), depois Muniz Ferreira, Nazaré (das Farinhas) e por último, São Roque. Desciámos do Trem e um carregador encarregava-se de pegar a nossa bagagem que levava até o Porto de São Roque e colocava direitinho dentro do navio. Isso acontecia sempre à tardinha, entre 16 e 17 horas. Tudo arrumado, passageiros devidamente sentados e outra experiência começava até avistarmos as luzes de Salvador, uma espécie de encontro com os sonhos. Um verdadeiro presépio apresentava-se à nossa frente. Sempre havia alguém ligado à nossa família a nos esperar. O navio aportava próximo à praça Cairu e ali pegávamos um Taxi para o Barbalho, precisamente na Rua Siqueira Campos, 16, acolhedora residência dos Alákija e da matriarca e parteira dona Ignês e sua filha Cleonice (oftalmologista que chamávamos por Baby), ambas passadas para outra dimensão, onde ficávamos por sete, oito dias e voltávamos para casa, fazendo o regresso em viagem que passava pelos mesmos lugares, invertendo-se apenas e principalmente o nosso estado de espírito. É uma descrição não muito longa, mas que envolve parte significativa da minha vida e de tantos quantos, como nós, saíam de uma cidade de 5 mil habitantes para a capital, Salvador. À época, dizíamos orgulhosos aos nossos colegas de escola ‘vou para a Bahia’! “Ê Bahia, umbu, vatapá e azeite de dendê”!!!

Ricardo De Benedictis
Enviado por Ricardo De Benedictis em 17/06/2016
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