A velhinha ao lado

Zé estava sentado, pensando em nada, de perna pro ar, e assistindo ao programa do Faustão, tudo ao mesmo tempo, em uma bela e ensolarada tarde de domingo.Durante todo o dia não fizera nada, preservando assim, a antiga tradição de “coçar”, em especial, nesse dia da semana.

Mesmo estando alheio as coisas do mundo (pelo menos nesse dia), Zé percebeu uma estranha movimentação no apartamento ao lado.Um incomum entra e sai de pessoas a todo momento.Uma barulheira danada e vozes que a todo momento pareciam crescer dentro do, cômodo vizinho.

De repente, ocorreu um pensamento na vazia mente de Zé: a velhinha ao lado.A dona do apartamento vizinho era uma senhorinha de mais ou menos uns 85 anos.Cabelos brancos, ombros curvados pra frente e um óculos na ponta do nariz.Possuía uma destreza enorme para fazer crochê (coisa muito comum para velhinhas assim), e estava sempre disposta a fazer algum docinho nos finais de semana.Morava com a empregada apenas, e todos seus oito filhos viviam em outras cidades.Zé, então, pensou em voz alta:

-Hum, a velhinha esta fazendo uma reuniãozinha e nem pra me chamar.Sacanagem.Ela vai ver só quando vier me pedir pra ajustar os canais de T.V que estão sempre fora do ar.

O barulho aumentava, aumentava e, de repente, tudo ficou quieto, silencioso.Não se ouvia mais nada.Zé então deixou pela primeira vez de olhar para a sua televisão e ficou atento a qualquer som, vindo lá de fora.O som veio, de dentro, era a campainha de Zé que tocava.

-Opa - cumprimentou Zé, ao atender a porta.

-Você que é o José Oswaldo?-indagou o senhor de cavanhaque, do lado de fora.

-Eu mesmo.

-Hum, minha mãe, a Dona Cotinha, aqui do apartamento ao lado...

-Sei, o 202. Conheço ela.De vez em quando, vou ate ai concertar sua T.V. Mas, o que é que tem a Dona Cotinha?

-Ela quer lhe ver, urgentemente!

-Agora?

-Sim, se possível.Ela esta te esperando no quarto.Mas ande rápido.Ela não tem muito tempo.

O homem saiu e um calafrio correu pelo corpo de Zé.A velhinha estava no leito da morte, e ele ali, assistindo Faustão, e reclamando por não ter sido convidado para a suposta festa.Mais que depressa, vestiu-se e correu para o 202.

Ao chegar no apartamento lotado pelos filhos, noras, genros e alguns netos e netas, Zé ficou ainda mais apreensivo.Todos ali, com cara de enterro.Não teria demorado demais na escolha da roupa?Será que a velhinha já tinha partido dessa para melhor e Zé não pode se despedir?Entrou no quarto e para seu alívio, Dona Cotinha estava viva.No chão, havia algumas malas e fora a cama, não havia mais nenhum móvel no quarto.

-Oswaldinho - a velhinha era a única pessoa no mundo que o chamava assim - tenho que te pedir uma coisa antes de partir...

-Pode falar Dona Cotinha.

-Talvez nós não nos vejamos mais meu filho.Irei para longe, e queria lhe ped...

Antes que pudesse completar a frase, Zé a interrompeu, pois além do remorso que estava sentindo, queria dizer algo confortante.

-Olha, a senhora tem muito que viver ainda Dona Cotinha.Deixa de pensar besteira.

-Eu sei disso meu filho, e é por isso que estou indo embora.Vou para São Lourenço, morar com um dos meus filhos.Cansei dessa vida de casa e cozinha, agora eu quero é me divertir, mas antes de ir embora,queria te pedir um último favor.

Zé não sabia o que dizer.A vontade que tinha era de mandar todo mundo pro inferno, ou pra algum lugar mais longe.Porém como era um rapaz sossegado só pode dizer:

-Fala Dona Cotinha.

-Será que você não poderia dar uma sintonizada na minha T.V?É que hoje de manhã a Globo saiu do ar, e eu vou levar ela embora comigo...e, como você sabe, eu não fico sem minha novela.