Inocência ou maldade

Em um dia comum de trabalho como tantos outros que já se foram ou virão.

Apressadamente com um barulho sonoro de quem quer passagem e ronco do motor quase silencioso, a pessoa pede licença e entra, nada de anormal acontece se não uma voz de um senhor envergado pela idade, que surge para vender picolé na entrada do singelo estabelecimento de trabalho:

_ Boa tarde, menino!

Num gesto pequeno com a cabeça a pessoa lhe cumprimenta, quase que por pura educação, sem dar muita atenção à frase do senhor.

No dia seguinte:

_ Ôpa, Garoto! _ diz o senhor retirando da passagem seu carrinho de picolé;

_ Muito bem garoto! _ cumprimenta o vendedor todas as vezes que a pessoa entra na escola.

E agora, a pessoa já se encontra confusa. “Será que esse senhor pensa que sou um garoto, só porque entro de moto, uso luvas, jaqueta feminina e capacete?” E então, diz a si mesmo ele perceberá o engano.

E por vários meses três vezes por semana o senhor continua a cumprimentar: “E ai garoto!” “Muito bem rapazinho!”, “É macho mesmo!”, “Diga menino!”. Enquanto isso os alunos a recebiam “Professora!” “Professora” “Professora estava com saudades da senhora” "professora por que veio hoje?". E aí a pessoa já não sabe mais se rir do senhor, se morre de raiva, se lhe dirige a palavra questionando por a cumprimentá-la de tal maneira, ou apensas lhe sugestiona grosseiramente que és uma mulher que está apenas tentando chegar ao seu local de trabalho sem adquirir um câncer de pele ou uma fratura craniana.

Seria o vendedor de picolé preconceituoso o suficiente para não aceitar ver uma mulher usufruindo da independência masculina para sobreviver e estava sendo taxativo e maldoso em seus cumprimentos diários, ou era de tal maneira, educado que a cumprimentava por pura educação e gentileza, mas estava ocupado demais com o troco da venda de seus picolés, para observar o coro dos alunos que gritavam “professora” e a maneira como a pessoa andava entre os alunos e os abraçava, seria mesmo ele um senhor inocente e pouco observador?

Em verdade vos afirmo entre a inocência e o preconceito existe dois abismos, que se difundem em um só, pois aquele que age com preconceito se posiciona de modo precipitado diante do que não conhece, e tão pouco o inocente é conhecedor de tal assunto.

Rose Glécia
Enviado por Rose Glécia em 20/06/2016
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