Nós perdemos o direito de morrer

Era a primeira vez que eu me encontrava no corredor de um centro cirúrgico de algum hospital, mas acredito que não fosse muito diferente de qualquer um outro ou, pelo menos, da maioria. As paredes – desnudas de quadros coloridos – pintadas de branco, luz fraca e amarela, poucos médicos e enfermeiros circulando de “caras fechadas” dando sempre a impressão de que alguma coisa não está dando certo dentro daquelas salas, um silêncio ensurdecedor e, frio, muito frio. Numa questão de segundos o silêncio foi quebrado por um choro estridente, trazendo junto um calor que aquecerá para sempre o meu coração. Nascia João Pedro, meu filho.

Não sei descrever exatamente o que eu senti naquele instante, era um turbilhão de sentimentos que me invadia, mas todos resultavam no maior e mais nobre deles: o AMOR. Enquanto aguardava no quarto a chegada de Laura, junto com nosso filho, consegui colocar mais ou menos os pensamentos em ordem. Primeiro uns telefonemas para anunciar aos amigos a boa nova, depois, alguns minutos para assimilar o que acabara de acontecer. Fechei os olhos e pensei em como tudo na minha vida ficaria diferente a partir daquele dia. Por um bom tempo não poderei mais pensar em colocar a mochila nas costas e sair por aí, viajando sem destino; não poderei mais agir de forma irresponsável e impensada; terei que controlar meus impulsos; falar menos palavrão também será necessário; ponderar as palavras antes de proferi-las deverá ser uma regra inviolável; tentarei mostrar que errar faz parte da vida e reconhecer os erros também. Tudo isso por que sempre achei que a melhor forma de educar é através dos exemplos.

Foi assim que fui criado, principalmente pelo meu pai, que saía cedo pro trabalho e só voltava bem à noitinha e, mesmo nos poucos momentos que tínhamos pra ficar juntos, sempre conseguiu me transmitir muitas coisas. Ele não era de ficar dizendo “isso é o certo” ou “isso é o errado”, ele agia como achava ser o mais correto e eu aprendia, mesmo que naquela época eu ainda não soubesse disso.

Ainda tive tempo pra lembrar e refletir a respeito de uma afirmação da escritora Lya Luft: “Mas será sobre nós, nossa esperança ou pessimismo, nosso afeto ou frieza, que os filhos darão os primeiros de seus muitos passos. E farão isso com seus filhos futuramente”. Fiquei imaginando o quanto deve ser difícil para os pais transmitir mensagens de esperança aos seus filhos hoje em dia. Nunca foram tão drásticas as previsões para o futuro da humanidade, nunca se falou tanto em conflitos armados, fome, aquecimento global e ameaça nuclear. As relações afetivas agora são à distância (MSN, Orkut...) sem a certeza de um dia poder encarar o “amigo” e olhar nos olhos dele, segurar sua mão e sentir o calor de um abraço. É nesse mundo – aquele fora do nosso ninho e longe das nossas asas – de poucas esperanças que os filhos de hoje darão, sim, seus primeiros passos. E, por isso, mais do que nunca, se faz fundamental a presença dos pais ao lado de seus filhos, mesmo que durante poucas horas do dia, sem esquecer que, mais importante do que a QUANTIDADE de horas ao lado das crianças, é a QUALIDADE de como serão vividas essas horas. Diálogo sempre foi de extrema importância para um bom relacionamento, hoje, tornou-se algo imprescindível na relação pais e filhos.

A frase que dá título a essa crônica me foi dita pela minha esposa Laura, logo assim que ela soube que estava grávida e, só agora, que acordo várias vezes durante a noite para ver se João Pedro está bem, é que tenho a exata noção de seu significado. Hoje, posso compreender claramente o porquê de minha mãe ter ficado acordada por várias noites, até altas horas da madrugada esperando que eu chegasse da rua nos fins de semana, mesmo já sendo eu um homem feito. Bastaram-me quinze dias de vida do João Pedro para que eu tivesse a confirmação de que, para nós, pais, os filhos serão sempre dependentes da gente, mesmo quando eles já se acharem adultos o suficiente para resolverem quaisquer questões de suas vidas. Nós estaremos sempre lá, de plantão, prontos para ampará-los caso algo não saia como eles previram. Por isso é que nós, realmente, perdemos o direito de morrer.

Elano Ribeiro
Enviado por Elano Ribeiro em 16/07/2007
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